FACULDADE TEOLÓGICA CRISTÃ DO BRASIL – F.T.C.B.
Literatura Cristã Primitiva
Denes Izidro, Professor ©[1]
AS CARTAS DE CLEMENTE DE ROMA[2]
1. Segunda Carta de Clemente
1.1. Tradição
· Sempre anexo a 1Clem, a Segunda Carta de Clemente ficou preservada apenas em três manuscritos: no códice Alexandrino (A), no qual só temos o texto até 12.5, no códice de Jerusalém (H) e em um manuscrito sírio (S).
· Este escrito é denominado de “Segunda Carta de Clemente” (para Corinto) apenas nas inscriptio em H e S, e pela subscriptio de S; no códice Alexandrino (A) ele não tem título.
· Na tradição tardia da igreja, 2Clem foi relacionada com 1Clem e nestes manuscritos preservados foram copiadas juntas. Acresce-se a isso o fato de que as traduções siríacas do Novo Testamento também transmitiram 1Clem e 2Clem juntos.
· 2Clem deve ter circulado anonimamente no início, e depois por causa de sua popularidade foi atribuído a Clemente de Roma, de modo a quase ser canonizado no Egito e na Síria.
1.2. Autor, Data e Ocasião
· O autor de 2Clem não parece ser o mesmo de 1Clem, uma vez que o estilo e os pensamentos são muito diferentes um do outro.
· A atribuição tradicional do escrito a Clemente de Roma, provável autor de 1Clem, portanto, é precária: 2Clem nada diz sobre o seu autor e nem faz referência a 1Clem. O título “Segundo Clemente” só aparece de fato nos colofões dos manuscritos.
· Além disso, Eusébio afirma que não sabia de nenhum escritor antigo que conhecesse 2Clem: “Digno de nota é o fato de que se diz que existe ainda uma segunda carta de Clemente; mas sabemos que ela não é reconhecida do mesmo modo como a primeira, porque, quanto é do nosso conhecimento, também os antigos não fizeram uso dela”.[3]
· Como 1Clem foi escrita de Roma para Corinto, presumiu-se que 2Clem fora composta em Roma ou em Corinto, senão também em Alexandria. Contudo, os argumentos em favor de qualquer uma destas cidades não são conclusivos. Mas como 2Clem deve sua preservação à ligação com 1Clem, desde cedo, o mais imediato é procurar seu surgimento lá onde essa ligação foi estabelecida, isto é, no Egito[4] ou na Síria (Vielhauer,2005).
· Uma vez que 2Clem parece não conhecer ainda um cânon neotestamentário e assim faz citações de tradições apócrifas[5], admite-se que sua data de composição deve situar-se em meados do II século d.C.
1.3. Identidade Literária, Tese e Valor
· 2Clem não deve é uma carta, pois faltam nele todos os elementos característicos de uma carta: não contém introdução com autor e endereço nem saudações finais.[6]
· É provável, como aceito pela maioria, que esse seja uma homilia ou sermão escrito com o fim de ser lido no culto. Neste caso, o sermão tem o objetivo de exortar os ouvintes a tomarem em consideração a palavra da Escritura, provavelmente lida antes do sermão, o qual não deve ser uma explicação desta (Vielhauer,2005).[7]
· 2Clem se apresenta como um grande sermão sobre arrependimento ou penitencial dirigido a cristãos. Se isso for assim, então temos o mais antigo sermão cristão primitivo preservado, em 2Clem.
· As fontes autoritativas de 2Clem são “a Escritura” e “o Senhor”: 2Clem cita muitos textos do AT, especialmente dos profetas, alguns dos quais também são citados pelos Evangelhos sinópticos.[8] Da tradição evangélica faz uso apenas de ditos do Senhor, os quais ele parece tirar de fontes escritas; na verdade, pode-se demonstrar estreitos contatos destes ditos de 2Clem com Mateus e Lucas, mas não a ponto de concluir de fato seu uso; é provável que esteja fazendo uso de uma coleção escrita de ditos do Senhor (Vielhauer,2005).[9]
· Curiosamente, 2Clem parece não ter conhecimento das epístolas de Paulo (Köester,2005).[10]
· A mais importante característica de 2Clem é o apelo ao arrependimento e a admoestação à prática de boas ações ante a perspectiva do julgamento futuro (Köester,2005).
· É a mais antiga pregação cristã preservada (Vielhauer,2005).
· E dá indícios da organização eclesiástica no II século d.C.
1.4. Conteúdo Esquemático (Vielhauer,2005)
1. A grandeza da salvação em Cristo – 1,2
2. Admoestação para a “contra-recompensa” – 3-8
a) A confissão atual 3,4
b) Êxodo “deste mundo”, o qual é somente hospedagem passageira e estadia de viagem 5,6
c) Realização do compromisso batismal 7,8
3. Polêmica contra dúvida sobre a ressurreição da carne e o juízo final 9-12
4. Admoestação à penitência 13-18
a) Motivação com relação aos não-cristãos 13
b) Motivação com relação à natureza da Igreja 14
c) Motivação com relação ao pregador e ao ouvinte 15
d) Penitência como dever cristão permanente 16-18
5. Admoestação final à penitência, à disposição para o sofrimento e expectativa da glória celestial 19,20.
[1] Denes Izidro é Pastor evangélico e estudioso de Novo Testamento, desenvolvendo pesquisas na área de Bíblia e literatura cristã primitiva canônica e não-canônica. Além disso, é também professor de Língua, Literatura, Contexto e Teologia do NT, e outras disciplinas na área de Bíblia e seu contexto histórico-literário, na Faculdade Teológica Cristã do Brasil (DF). © todos os direitos autorais desta obra devem ser preservados.
[2]Vielhauer,Phillip.História da literatura cristã primtiva.Academia Cristã: São Paulo; Koester,Helmut.Introdução ao novo testamento – História e literatura do cristianismo primitivo.Paulus: São Paulo;VV.AA.Padres apostólicos.Paulus: São Paulo.
[3] H.E.III.38.4.citado IN: Vielhauer, Philipp.História da literature cristã primitiva.Academia Cristã:São Paulo.pg.765.
[4] Köester,Introdução ao novo testamento, vol.2.,pg.255, entende que o escrito de 2Clem é foram produzido no Egito, com fins Anti-gnósticos. Quanto a origem de 2Clem, assim Köester se pronuncia: “Todas essas observações colocam 2Clemente diretamente no contexto de uma comunidade cristã do Egito que procura estabelecer sua própria religiosidade em obediência às palavras de Jesus contra um cristianismo gnóstico predominante nesse país.”op.cit.,pg.255.
[5] XI : “Portanto, sirvamos a Deus com o coração puro, para sermos justos; porém, se não o Servirmos, porque não cremos na promessa de Deus, seremos desgraçados, pois a palavra da profecia diz também: "Desgraçados os indecisos, que duvidam em seu coração e dizem: 'Essas coisas temos ouvido, inclusive nos dias de nossos pais; entretanto, temos aguardado dia após dia e nada temos visto. Estúpidos! Comparem-se a árvores; a uma vinha, por exemplo: primeiro, desprendem-se as folhas, logo sai um broto, depois vem o agraz e, por fim, as uvas maduras. Do mesmo modo meu povo passou por problemas e aflições; porém, depois receberá as coisas boas.””
V: “Portanto, irmãos, renunciemos nossa estadia neste mundo e façamos a vontade d'Aquele que nos chamou; não tenhamos medo de nos apartar deste mundo, pois o Senhor disse: "Sereis como cordeiros no meio de lobos". Porém, Pedro O contestou e disse: "O que ocorre, então, se os lobos devorarem os cordeiros?" E Jesus respondeu a Pedro: "Os cordeiros não precisam ter medo dos lobos depois de mortos. Vós também não deveis temer os que vos matam e nada mais podem fazer. Temei antes Aquele que, depois de tiverdes morrido, tem poder sobre a vossa alma e vosso corpo, para atirá-los na geena de fogo””.
VIII: “Eis o que o Senhor diz no Evangelho: "Se não guardastes o que era pequeno, quem vos dará o que é grande? Pois eu vos digo: o que é fiel no pouco, é fiel também no muito”.
XII: “Deste modo, esperemos o reino de Deus, hora após hora, com amor e justiça, já que não sabemos qual será o dia da aparição de Deus. Eis que o mesmo Senhor, quando certa pessoa lhe perguntou quando viria o seu reino, respondeu: "Quando os dois forem um, quando o que estiver fora for como o que estiver dentro, e o varão for como a mulher, não havendo nem varão, nem mulher”. Pois bem: os dois são um quando dizemos a verdade entre nós e entre dois corpos haverá apenas uma alma, sem divisão. E, ao dizer que o exterior será como o interior, quer dizer isto: o interior é a alma e o exterior é o corpo; portanto, da mesma maneira que aparece o corpo, se manifesta a alma em suas boas obras. E, ao dizer o varão como a mulher, nem varão, nem mulher, significa isto: que um irmão ao ver uma irmã não deveria pensar nela como sendo sua mulher e que uma irmã ao ver um irmão não deveria pensar nele como sendo seu homem. Se fizerdes estas coisas - diz Ele - logo vira o reino de Meu Pai.”” (EvTom 22).
[6] Início de 2Clem: “Irmãos: deveríamos pensar em Jesus Cristo como Deus e Juiz dos vivos e dos mortos. Não deveríamos, ao contrário, pensar em coisas medíocres sobre a salvação pois, quando pensamos em coisas medíocres, esperamos também receber coisas medíocres. Os que escutam que estas coisas são medíocres fazem mal; e nós também fazemos mal não sabendo de onde e por quem e para onde somos chamados, e quantas coisas tem sofrido Jesus Cristo por nossa causa. Que recompensa, pois, Lhe daremos? Ou qual fruto de Seu dom poderá nos ser dado? E quanta misericórdia Lhe devemos! Eis que Ele nos concedeu a luz; nos chamou como um pai chama seus filhos; nos salvou quando estávamos morrendo... Que louvor Lhe rendemos? Ou o que foi pago de recompensa pelas coisas que temos recebido, já que éramos cegos em nosso entendimento; rendíamos culto a paus e pedras, a ouro, prata e bronze, obras humanas; e toda a nossa vida não era outra coisa que a própria morte? Assim, pois, quando estávamos envolvidos nas trevas e oprimidos em nossa visão por esse espesso nevoeiro, recobramos a vista e pusemos de lado, por Sua vontade, a nuvem que nos encobria. Ele teve misericórdia de nós! Em sua compaixão nos salvou, pois nos vira mergulhados no erro e na perdição, quando não tínhamos esperança de salvação, exceto a que vinha d'Ele! Ele nos chamou quando ainda não éramos; e do nosso não ser, quis Ele que fôssemos.”
Final de 2Clem: “Não permitas tampouco que isto perturbe a tua mente: ver os ímpios possuírem riquezas e os servos de Deus sofrerem apertos. Tenhamos fé, irmãos e irmãs! Estamos lutando nas fileiras de um Deus vivo; recebemos treinamento na vida presente para que possamos ser coroados na [vida] futura. Nenhum justo recolheu o fruto rapidamente, mas espera que este chegue. Porque se Deus desse imediatamente a recompensa aos justos, então nosso treinamento seria pago de forma comercial, e não conforme a piedade, porque não seríamos justos em razão da piedade, mas por causa da ganância. E por isso o juízo divino alcança o espírito daquele que não é justo, e o acorrenta.
- Ao único Deus invisível, Pai da verdade, que nos enviou o Salvador e Príncipe da imortalidade, por meio do qual Deus também nos manifestou a verdade e a vida celestial: a Ele seja a glória pelos séculos dos séculos. Amém.”
[7] 19.1 nos dá maiores detalhes sobre esse sermão: “Portanto, irmãos e irmãs, após ouvir o Deus da verdade, leio-vos uma exortação a fim de que possais prestar atenção às coisas que estão escritas, para que possais salvar-vos a vós mesmos e aos que vivem no meio de vós.”
[8] 2Clem 3.5 = Is.29.13 (Mc.7.6;Mt.15.8); 2Clem 7.6 = Is.66.24b (Mc.9.48); 2Clem 14.1 = Jr.7.11a (Mt.21.13).
[9] Sobre essa provável coleção de ditos do Senhor, assim diz Köester,op.cit.,pg.254: “As palavras de Jesus citadas na carta pressupõem os Evangelhos do Novo Testamento de Mateus e Lucas;elas provavelmente foram extraídas de uma coleção harmonizada de ditos que fora composta com base nesses dois evangelhos.”.
[10] Köester observa que a hipótese de uma origem desse escrito em Corinto não é compatível com esse silenciamento quanto ao corpus paulinum, uma vez que ali as cartas de Paulo eram bem conhecidas. Em contra-partida, indica a hipótese do Egito como provável origem de 2Clem, uma vez que essa explicaria o tal silêncio em relação à Paulo.op.cit.,pg.255.
segunda-feira, 23 de abril de 2007
FACULDADE TEOLÓGICA CRISTÃ DO BRASIL – F.T.C.B.
Literatura Cristã Primitiva
Denes Izidro, Professor ©[1]
AS CARTAS DE CLEMENTE DE ROMA[2]
1. Primeira Carta de Clemente Aos Coríntios
1.1. Tradição
· O texto de 1Clem aos Coríntios foi primeiro descoberto no códice Alexandrino (V d.C.), localizado após o Apocalipse de João e juntamente com 2Clem; no entanto, nesse códice está faltando uma folha que continha o texto de 1Clem 57.7-63.4. O texto grego completo apareceu com a descoberta do Códice Hierosolimitano (o mesmo que contém o texto grego da Didaquê). O texto também aparece com 2Clem, entre as católicas, em um códice de papiro copta (V/VIII) da biblioteca da Universidade de estrasburgo, juntamente com fragmentos de Tiago e João e um NT sírio. Além disso, 1Clem também foi publicado em duas traduções latinas, uma siríaca e duas coptas.
· Há também inúmeras citações de 1Clem em Clemente de Alexandria. Essa carta também foi usada por Policarpo de Esmirna e é mencionada por Dionísio de Corinto ma metade do II século. 1Clem deve ter tido ampla divulgação já época em que a carta foi redigida (fim do I século d.C.).
· A alta estima que gozava esse documento na igreja antiga se reflete no fato de que 1Clem integrou por certo tempo o cânon do NT, tanto na igreja egípcia quanto na igreja síria.
1.2. Autoria e Data do Escrito
· Não obstante 1Clem se apresente como uma correspondência da igreja de Roma e não como tendo sido escrita por uma pessoa específica (Intr), como Clemente de Roma, por exemplo, ela deve ter sido escrita por uma mesma pessoa, com o demonstra sua uniformidade de estilo e vocabulário.
· A tradição da igreja antiga parece ser unânime na aceitação de que Clemente de Roma é o autor desta carta, pois os testemunhos mais antigos da igreja apontam nesta direção, como as inscriptiones dos antigos manuscritos, o testemunho de Eusébio, de Dionísio e de Irineu.
· Clemente era, muito provavelmente, secretário e representante de Roma e quiçá até bispo[3] ou presbítero. Não dispomos de detalhes sobre ele. Eusébio data sua gestão em Roma de 92-101 (H.E.III.15.34). Orígenes o identifica com o companheiro de Paulo do mesmo nome em Fl.4.3.
· 1Clem tem sido datado para o final do governo de Domiciano (81-96) ou início do governo de Nerva (96-98). Mais especificamente 96-97 d.C., logo após a expulsão dos filósofos de Roma por Domiciano. Isto porque o texto faz referências a tribulações sobre Roma que devem fazer alusão às perseguições domicianas (1.1). Além disso, segundo Eusébio (H.E.III.16) os problemas em Corinto surgiram sob o governo de Domiciano.
1.3. Motivo da Redação
· O motivo que deu origem à carta endereçada a Corinto foi a destituição dos presbíteros por alguns membros jovens da igreja local (47.6).[4]
· São muito poucas as informações do escrito sobre essa revolta e Clemente apenas diz que essa dissensão havia perturbado profundamente a igreja de Corinto, mas não informa o leitor sobre as causas que a provocaram.
· Portanto, a intervenção da igreja cristã de Roma através desta carta na igreja de Corinto fora motivada, como já esboçado, pela substituição de presbíteros por indivíduos mais jovens (1.1;3.3;44.3s), o que deve ter provocado alguma agitação (Vielhauer,2000).
1.4. Natureza do Escrito
· O volume e espécie do escrito força-nos a perguntar por sua forma literária (65 capítulos).
· 1Clem tem a forma literária de uma carta de fato: Pré-escrito (Intr) e conclusão epistolar (65.1,2).[5] Ela menciona a igreja de Roma como remetente e a igreja de Corinto como destinatária.
· Segundo Dibelius, uma ligação de escrito de ocasião com carta artística, assim como Efésios e I Pedro, isto é, “tratados em forma de carta” (Vielhauer,2000).
· 1Clem, contudo, se distingue das cartas católicas, pois é endereçada a uma única comunidade cristã, não a um endereço geral, tendo assim um único motivo concreto e finalidade. Portanto, 1Clem é de fato uma carta autêntica. A extensão do escrito, a quantidade de digressões, a configuração artística e retórica não alteram o fato de que ela é uma carta autêntica, e não fictícia ou meramente artística (Vielhauer,2000).
· 1Clem usa recursos da retórica contemporânea com muito mais intensidade do que Paulo e Hebreus, e, com maior habilidade, maneja as figuras lingüísticas da prosa artística e da diatribe, perguntas retóricas e imperativos, antíteses, uso de recursos sonoros e recursos semelhantes.
· Uma série de paradigmas (exemplos) ilustram as mortais conseqüências do ciúme e inveja (4-8), os bons efeitos da fé e hospitalidade (9-12), a admoestação à humildade e ao pacifismo (16-18), a admoestação ao arrependimento (51-53),etc.
· 1Clem é, sem dúvida, uma Parênese, isto é, uma coleção de admoestações à igreja de Corinto. O material que o autor usa nas seções parenéticas são: a doutrina dos dois caminhos, especialmente os catálogos de vícios de virtudes, as listas de deveres domésticos e normas da comunidade.
· Das Escrituras (AT) procedem coleções de exemplos de vícios e virtudes; da tradição cristã, uma coletânia de ditos de Jesus é citada duas vezes (13.2;46.8);[6] também tira exemplos do passado cristão (o martírio de Pedro e Paulo [5;6])[7] e da mitologia pagã (6.2;25.1-5);[8] além disso, 1Clem usa uma coleção das cartas de Paulo e Hebreus, como também materiais querigmáticos e litúrgicos da igreja do autor, dentre eles uma longa oração rogatória (59.3-61.3).
· 1Clemente recorre também a tradições pagãs, mais exatamente a uma descrição da criação do mundo pela sabedoria de Deus (20.1-11), que pode ter chegado ao autor por meio do judaísmo da diáspora (Köester,2005).
1.5. Valor de 1Clemente
· 1Clem, uma carta da igreja de Roma à comunidade cristã de Corinto, através da qual ela interfere em assuntos internos dessa comunidade, é um documento político-eclesiásico de importância histórico-eclesiástica de longo alcance (Vielhauer,2000).
· 1Clem oferece uma noção importante sobre a piedade das comunidades cristãs nesse período. O que está carta traz deve ser aquilo que domina a liturgia, a doutrina e a pregação das igrejas primitivas. Clemente está convencido de que este tipo de piedade e conduta deve ser o fundamento para a unidade de cada congregação local e de toda a igreja universal.
1.6. Conteúdo Esquemático (Vielhauer,2000)
Pré-escrito
Proêmio: Motivo da carta, a revolta em Corinto. Louvor do antigo estado das coisas da comunidade e recriminação do atual 1-3
Parte I (4-39): Parêneses
1. Contra ciúme e inveja – 4-8
a) Exemplos vétero-testamentários (4), cristãos (5) e gerais (6)
b) Admoestações penitenciais com exemplos do AT (7;8)
Segunda Carta de Clemente aos Coríntios
2. Modelos vétero-testamentários para fé e hospitalidade - 9-12
3. Admoestações à humildade e ao pacifismo – 13-19.1
a) Admoestação e fundamentação (13-15)
b) Jesus como modelo (16)
c) Modelos vétero-testamentários (17-19.1)
4. Admoestação à unidade e harmonia na comunidade – 19.2-22
a) A harmonia do cosmo como modelo (19.2-20.12)
b) Aplicação à vida da comunidade (21;22)
5. Contra dúvida referente à ressurreição – 23-36
a) Advertência contra a dúvida (23)
b) Provas da ressurreição (da natureza 24, da mitologia – pássaro Fênix – 25, da Escritura 26;27)
c) Admoestação a uma conduta de vida com relação ao juízo final (28-36)
6. Admoestação à concórdia e à unidade – 37-39
a) Modelos da ordem: exército romano 37.1-4; o corpo humano, o corpo de Cristo 37.5-38
b) Sujeição mútua (39)
Parte II (40-58): Posicionamento face às desavenças em Corinto
1. Instrução de toda a comunidade sobre a ilegalidade da demissão de presbíteros – 40-50
a) A ordem conforme a vontade divina em culto, hierarquia e sucessão (40-44)
b) Conclusões para a comunidade de Corinto (45-50): Reconhecimento da injustiça (45), recondução ao cargo dos destituídos (46-48), restabelecimento da concórdia e do amor (49; 50)
2. Instrução aos líderes do tumulto – 51-58
a) Admoestação penitencial (com exemplos) (51-53)
b) Convite à emigração espontânea (com exemplos) (54-55)[9]
c) Sujeição ao castigo da Igreja e aos presbíteros (56-58)
Conclusão
1. A oração geral da igreja (59-61)
2. Resumo do conteúdo da carta (62)
3. Recomendação dos portadores (com oração) (63.1-65.1)
4. Saudação final (65.2)
2. Segunda Carta de Clemente
2.1. Tradição
· Sempre anexo a 1Clem, a Segunda Carta de Clemente ficou preservada apenas em três manuscritos: no códice Alexandrino (A), no qual só temos o texto até 12.5, no códice de Jerusalém (H) e em um manuscrito sírio (S).
· Este escrito é denominado de “Segunda Carta de Clemente” (para Corinto) apenas nas inscriptio em H e S, e pela subscriptio de S; no códice Alexandrino (A) ele não tem título.
· Na tradição tardia da igreja, 2Clem foi relacionada com 1Clem e nestes manuscritos preservados foram copiadas juntas. Acresce-se a isso o fato de que as traduções siríacas do Novo Testamento também transmitiram 1Clem e 2Clem juntos.
· 2Clem deve ter circulado anonimamente no início, e depois por causa de sua popularidade foi atribuído a Clemente de Roma, de modo a quase ser canonizado no Egito e na Síria.
2.2. Autor, Data e Ocasião
· O autor de 2Clem não parece ser o mesmo de 1Clem, uma vez que o estilo e os pensamentos são muito diferentes um do outro.
· A atribuição tradicional do escrito a Clemente de Roma, provável autor de 1Clem, portanto, é precária: 2Clem nada diz sobre o seu autor e nem faz referência a 1Clem. O título “Segundo Clemente” só aparece de fato nos colofões dos manuscritos.
· Além disso, Eusébio afirma que não sabia de nenhum escritor antigo que conhecesse 2Clem: “Digno de nota é o fato de que se diz que existe ainda uma segunda carta de Clemente; mas sabemos que ela não é reconhecida do mesmo modo como a primeira, porque, quanto é do nosso conhecimento, também os antigos não fizeram uso dela”.[10]
· Como 1Clem foi escrita de Roma para Corinto, presumiu-se que 2Clem fora composta em Roma ou em Corinto, senão também em Alexandria. Contudo, os argumentos em favor de qualquer uma destas cidades não são conclusivos. Mas como 2Clem deve sua preservação à ligação com 1Clem, desde cedo, o mais imediato é procurar seu surgimento lá onde essa ligação foi estabelecida, isto é, no Egito[11] ou na Síria (Vielhauer,2005).
· Uma vez que 2Clem parece não conhecer ainda um cânon neotestamentário e assim faz citações de tradições apócrifas[12], admite-se que sua data de composição deve situar-se em meados do II século d.C.
2.3. Identidade Literária, Tese e Valor
· 2Clem não deve é uma carta, pois faltam nele todos os elementos característicos de uma carta: não contém introdução com autor e endereço nem saudações finais.[13]
· É provável, como aceito pela maioria, que esse seja uma homilia ou sermão escrito com o fim de ser lido no culto. Neste caso, o sermão tem o objetivo de exortar os ouvintes a tomarem em consideração a palavra da Escritura, provavelmente lida antes do sermão, o qual não deve ser uma explicação desta (Vielhauer,2005).[14]
· 2Clem se apresenta como um grande sermão sobre arrependimento ou penitencial dirigido a cristãos. Se isso for assim, então temos o mais antigo sermão cristão primitivo preservado, em 2Clem.
· As fontes autoritativas de 2Clem são “a Escritura” e “o Senhor”: 2Clem cita muitos textos do AT, especialmente dos profetas, alguns dos quais também são citados pelos Evangelhos sinópticos.[15] Da tradição evangélica faz uso apenas de ditos do Senhor, os quais ele parece tirar de fontes escritas; na verdade, pode-se demonstrar estreitos contatos destes ditos de 2Clem com Mateus e Lucas, mas não a ponto de concluir de fato seu uso; é provável que esteja fazendo uso de uma coleção escrita de ditos do Senhor (Vielhauer,2005).[16]
· Curiosamente, 2Clem parece não ter conhecimento das epístolas de Paulo (Köester,2005).[17]
· A mais importante característica de 2Clem é o apelo ao arrependimento e a admoestação à prática de boas ações ante a perspectiva do julgamento futuro (Köester,2005).
· É a mais antiga pregação cristã preservada (Vielhauer,2005).
· E dá indícios da organização eclesiástica no II século d.C.
2.4. Conteúdo Esquemático (Vielhauer,2005)
1. A grandeza da salvação em Cristo – 1,2
2. Admoestação para a “contra-recompensa” – 3-8
a) A confissão atual 3,4
b) Êxodo “deste mundo”, o qual é somente hospedagem passageira e estadia de viagem 5,6
c) Realização do compromisso batismal 7,8
3. Polêmica contra dúvida sobre a ressurreição da carne e o juízo final 9-12
4. Admoestação à penitência 13-18
a) Motivação com relação aos não-cristãos 13
b) Motivação com relação à natureza da Igreja 14
c) Motivação com relação ao pregador e ao ouvinte 15
d) Penitência como dever cristão permanente 16-18
5. Admoestação final à penitência, à disposição para o sofrimento e expectativa da glória celestial 19,20.
[1] Denes Izidro é Pastor evangélico e estudioso de Novo Testamento, desenvolvendo pesquisas na área de Bíblia e literatura cristã primitiva canônica e não-canônica. Além disso, é também professor de Língua, Literatura, Contexto e Teologia do NT, e outras disciplinas na área de Bíblia e seu contexto histórico-literário, na Faculdade Teológica Cristã do Brasil (DF). © todos os direitos autorais desta obra devem ser preservados.
[2]Vielhauer,Phillip.História da literatura cristã primtiva.Academia Cristã: São Paulo; Koester,Helmut.Introdução ao novo testamento – História e literatura do cristianismo primitivo.Paulus: São Paulo;VV.AA.Padres apostólicos.Paulus: São Paulo.
[3] Köester,op.cit., discorda que Clemente tenha sido bispo de Roma.pg.309. não obstante Irineu o ateste (Haer III.3.3.).
[4] 47.6: “6Uma vergonha, meus caros, uma vergonha muito grande e indigna de uma conduta em Cristo ouvir-se que a Igreja dos coríntios, tão inabalável e antiga, se rebele contra os presbíteros por causa de uma ou duas pessoas.”
[5] Introdução: “A Igreja de Deus estabelecida transitóriamente em Roma à Igreja de Deus estabelecida transitóriamente em Corinto, aos eleitos santificados na vontade de Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo: que a graça e a paz vos sejam dadas em plenitude da parte de Deus todo-poderoso, por Jesus Cristo.”
65.1,2:“1Aos nossos enviados, Cláudio Efebo e Valério Bito, junto com Fortunato, enviai-os rapidamente de volta na paz e com alegria, para que logo nos tragam notícias sobre a harmonia e paz, pela qual tanto rezamos e suplicamos e assim, mais depressa, nos alegremos da boa ordem entre vós. 2A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja convosco e com todos os eleitos de Deus, através Dele por toda a parte. Por Jesus, seja dada a Deus glória, honra, poder e majestade, o trono eterno, desde todos os séculos e para todos os séculos dos séculos. Amém.”
[6] 13.2: “Pois foi ele que disse isto: "Sede misericordiosos para obterdes misericórdia. Perdoai para que sejais perdoados. Assim como fizerdes, assim vos será feito. Da forma como derdes, assim vos será dado. Do modo como julgardes, assim sereis julgados. Como fizerdes o bem, assim vos será feito. Com a medida que medirdes, também vos será medido em troca".”
46.8: “porque foi Ele quem disse: "Ai daquele homem! Melhor seria que não tivesse nascido do que escandalizar um dos meus eleitos. Mais lhe valeria amarrar uma pedra em seu pescoço e afundar no mar do que perverter um dos meus eleitos".”
[7] 5.2-7: “2Por ciúme e inveja foram perseguidos e lutaram até à morte as nossas colunas mais elevadas e retas.3Fixemos nossos olhos sobre os valorosos apóstolos:4Pedro, que por ciúme injusto não suportou apenas uma ou duas, mas numerosas provas e, depois de assim render testemunho, chegou ao merecido lugar da glória.5Por ciúme e discórdia, Paulo ostentou o preço da paciência.6Sete vezes acorrentado, exilado, apedrejado, missionário no Oriente e no Ocidente, recebeu a ilustre glória por sua fé.7Ensinou a justiça no mundo todo e chegou até os confins do Ocidente, dando testemunho diante das autoridades. Assim, deixou o mundo e foi buscar o lugar santo, ele, que se tornou o mais ilustre exemplo da paciência.”
[8] 25.1-4: “1Consideremos o sinal prodigioso que ocorre na região oriental, isto é, nas terras próximas da Arábia.2Aí existe um pássaro chamado fênix, único na espécie e que vive quinhentos anos. Quando está para morrer, ergue seu próprio sepulcro usando incenso, mirra e outras plantas aromáticas e, ao completar seu tempo, aí se introduz e morre.3De sua carne em decomposição nasce uma larva que se alimenta da matéria putrefata do animal morto e cria asas; quando se torna forte, levanta o sepulcro onde se encontram os restos de seu ancestral e carrega-o, voando da terra da Arábia até a cidade do Egito chamada Heliópolis.4E, em plena luz do dia, aos olhos de todos, transporta e depõe aqueles restos sobre o altar do sol; a seguir, retoma o vôo de volta.”
[9] 54.1-4: “1Quem, dentre vós, for nobre, compassivo e cheio de caridade,2diga: "se é por minha causa que há revolta, discórdia e cisma, eu me retiro, parto para onde quiserdes e faço o que for pedido pela comunidade, desde que apenas o rebanho de Cristo viva em paz com os presbíteros constituídos".3Quem agir dessa maneira obterá grande glória em Cristo e será recebido em toda a parte, "pois do Senhor é a terra e sua plenitude".4É isso o que fizeram e ainda fazem os que trilham, sem remorsos, o caminho de Deus.”
55.2-6 (exemplos): “2Conhecemos muitos dentre os nossos que se entregaram à prisão para resgatarem outros. Muitos se entregaram à escravidão para sustentar os demais com o dinheiro pago.3Muitas mulheres, fortalecidas pela graça de Deus, realizaram difíceis tarefas.4A bem-aventurada Judite, durante o cêrco da cidade, pediu aos presbíteros a permissão para se ausentar do acampamento dos estrangeiros.5Expondo-se ao perigo, saiu por amor à pátria e ao povo em cêrco. E o Senhor entregou Holofernes na mão de uma mulher.6Perfeita na fé, Ester expôs a si mesma num perigo não menor, para salvar da proximidade da morte as doze tribos de Israel. Pelo jejum e humilhação, suplicou ao Senhor que tudo vê, o Deus dos séculos. E este, vendo a humildade de sua alma, salvou o povo em favor daquela que se expusera ao perigo.”
[10] H.E.III.38.4.citado IN: Vielhauer, Philipp.História da literature cristã primitiva.Academia Cristã:São Paulo.pg.765.
[11] Köester,Introdução ao novo testamento, vol.2.,pg.255, entende que o escrito de 2Clem é foram produzido no Egito, com fins Anti-gnósticos. Quanto a origem de 2Clem, assim Köester se pronuncia: “Todas essas observações colocam 2Clemente diretamente no contexto de uma comunidade cristã do Egito que procura estabelecer sua própria religiosidade em obediência às palavras de Jesus contra um cristianismo gnóstico predominante nesse país.”op.cit.,pg.255.
[12] XI : “Portanto, sirvamos a Deus com o coração puro, para sermos justos; porém, se não o Servirmos, porque não cremos na promessa de Deus, seremos desgraçados, pois a palavra da profecia diz também: "Desgraçados os indecisos, que duvidam em seu coração e dizem: 'Essas coisas temos ouvido, inclusive nos dias de nossos pais; entretanto, temos aguardado dia após dia e nada temos visto. Estúpidos! Comparem-se a árvores; a uma vinha, por exemplo: primeiro, desprendem-se as folhas, logo sai um broto, depois vem o agraz e, por fim, as uvas maduras. Do mesmo modo meu povo passou por problemas e aflições; porém, depois receberá as coisas boas.””
V: “Portanto, irmãos, renunciemos nossa estadia neste mundo e façamos a vontade d'Aquele que nos chamou; não tenhamos medo de nos apartar deste mundo, pois o Senhor disse: "Sereis como cordeiros no meio de lobos". Porém, Pedro O contestou e disse: "O que ocorre, então, se os lobos devorarem os cordeiros?" E Jesus respondeu a Pedro: "Os cordeiros não precisam ter medo dos lobos depois de mortos. Vós também não deveis temer os que vos matam e nada mais podem fazer. Temei antes Aquele que, depois de tiverdes morrido, tem poder sobre a vossa alma e vosso corpo, para atirá-los na geena de fogo””.
VIII: “Eis o que o Senhor diz no Evangelho: "Se não guardastes o que era pequeno, quem vos dará o que é grande? Pois eu vos digo: o que é fiel no pouco, é fiel também no muito”.
XII: “Deste modo, esperemos o reino de Deus, hora após hora, com amor e justiça, já que não sabemos qual será o dia da aparição de Deus. Eis que o mesmo Senhor, quando certa pessoa lhe perguntou quando viria o seu reino, respondeu: "Quando os dois forem um, quando o que estiver fora for como o que estiver dentro, e o varão for como a mulher, não havendo nem varão, nem mulher”. Pois bem: os dois são um quando dizemos a verdade entre nós e entre dois corpos haverá apenas uma alma, sem divisão. E, ao dizer que o exterior será como o interior, quer dizer isto: o interior é a alma e o exterior é o corpo; portanto, da mesma maneira que aparece o corpo, se manifesta a alma em suas boas obras. E, ao dizer o varão como a mulher, nem varão, nem mulher, significa isto: que um irmão ao ver uma irmã não deveria pensar nela como sendo sua mulher e que uma irmã ao ver um irmão não deveria pensar nele como sendo seu homem. Se fizerdes estas coisas - diz Ele - logo vira o reino de Meu Pai.”” (EvTom 22).
[13] Início de 2Clem: “Irmãos: deveríamos pensar em Jesus Cristo como Deus e Juiz dos vivos e dos mortos. Não deveríamos, ao contrário, pensar em coisas medíocres sobre a salvação pois, quando pensamos em coisas medíocres, esperamos também receber coisas medíocres. Os que escutam que estas coisas são medíocres fazem mal; e nós também fazemos mal não sabendo de onde e por quem e para onde somos chamados, e quantas coisas tem sofrido Jesus Cristo por nossa causa. Que recompensa, pois, Lhe daremos? Ou qual fruto de Seu dom poderá nos ser dado? E quanta misericórdia Lhe devemos! Eis que Ele nos concedeu a luz; nos chamou como um pai chama seus filhos; nos salvou quando estávamos morrendo... Que louvor Lhe rendemos? Ou o que foi pago de recompensa pelas coisas que temos recebido, já que éramos cegos em nosso entendimento; rendíamos culto a paus e pedras, a ouro, prata e bronze, obras humanas; e toda a nossa vida não era outra coisa que a própria morte? Assim, pois, quando estávamos envolvidos nas trevas e oprimidos em nossa visão por esse espesso nevoeiro, recobramos a vista e pusemos de lado, por Sua vontade, a nuvem que nos encobria. Ele teve misericórdia de nós! Em sua compaixão nos salvou, pois nos vira mergulhados no erro e na perdição, quando não tínhamos esperança de salvação, exceto a que vinha d'Ele! Ele nos chamou quando ainda não éramos; e do nosso não ser, quis Ele que fôssemos.”
Final de 2Clem: “Não permitas tampouco que isto perturbe a tua mente: ver os ímpios possuírem riquezas e os servos de Deus sofrerem apertos. Tenhamos fé, irmãos e irmãs! Estamos lutando nas fileiras de um Deus vivo; recebemos treinamento na vida presente para que possamos ser coroados na [vida] futura. Nenhum justo recolheu o fruto rapidamente, mas espera que este chegue. Porque se Deus desse imediatamente a recompensa aos justos, então nosso treinamento seria pago de forma comercial, e não conforme a piedade, porque não seríamos justos em razão da piedade, mas por causa da ganância. E por isso o juízo divino alcança o espírito daquele que não é justo, e o acorrenta.
- Ao único Deus invisível, Pai da verdade, que nos enviou o Salvador e Príncipe da imortalidade, por meio do qual Deus também nos manifestou a verdade e a vida celestial: a Ele seja a glória pelos séculos dos séculos. Amém.”
[14] 19.1 nos dá maiores detalhes sobre esse sermão: “Portanto, irmãos e irmãs, após ouvir o Deus da verdade, leio-vos uma exortação a fim de que possais prestar atenção às coisas que estão escritas, para que possais salvar-vos a vós mesmos e aos que vivem no meio de vós.”
[15] 2Clem 3.5 = Is.29.13 (Mc.7.6;Mt.15.8); 2Clem 7.6 = Is.66.24b (Mc.9.48); 2Clem 14.1 = Jr.7.11a (Mt.21.13).
[16] Sobre essa provável coleção de ditos do Senhor, assim diz Köester,op.cit.,pg.254: “As palavras de Jesus citadas na carta pressupõem os Evangelhos do Novo Testamento de Mateus e Lucas;elas provavelmente foram extraídas de uma coleção harmonizada de ditos que fora composta com base nesses dois evangelhos.”.
[17] Köester observa que a hipótese de uma origem desse escrito em Corinto não é compatível com esse silenciamento quanto ao corpus paulinum, uma vez que ali as cartas de Paulo eram bem conhecidas. Em contra-partida, indica a hipótese do Egito como provável origem de 2Clem, uma vez que essa explicaria o tal silêncio em relação à Paulo.op.cit.,pg.255.
Literatura Cristã Primitiva
Denes Izidro, Professor ©[1]
AS CARTAS DE CLEMENTE DE ROMA[2]
1. Primeira Carta de Clemente Aos Coríntios
1.1. Tradição
· O texto de 1Clem aos Coríntios foi primeiro descoberto no códice Alexandrino (V d.C.), localizado após o Apocalipse de João e juntamente com 2Clem; no entanto, nesse códice está faltando uma folha que continha o texto de 1Clem 57.7-63.4. O texto grego completo apareceu com a descoberta do Códice Hierosolimitano (o mesmo que contém o texto grego da Didaquê). O texto também aparece com 2Clem, entre as católicas, em um códice de papiro copta (V/VIII) da biblioteca da Universidade de estrasburgo, juntamente com fragmentos de Tiago e João e um NT sírio. Além disso, 1Clem também foi publicado em duas traduções latinas, uma siríaca e duas coptas.
· Há também inúmeras citações de 1Clem em Clemente de Alexandria. Essa carta também foi usada por Policarpo de Esmirna e é mencionada por Dionísio de Corinto ma metade do II século. 1Clem deve ter tido ampla divulgação já época em que a carta foi redigida (fim do I século d.C.).
· A alta estima que gozava esse documento na igreja antiga se reflete no fato de que 1Clem integrou por certo tempo o cânon do NT, tanto na igreja egípcia quanto na igreja síria.
1.2. Autoria e Data do Escrito
· Não obstante 1Clem se apresente como uma correspondência da igreja de Roma e não como tendo sido escrita por uma pessoa específica (Intr), como Clemente de Roma, por exemplo, ela deve ter sido escrita por uma mesma pessoa, com o demonstra sua uniformidade de estilo e vocabulário.
· A tradição da igreja antiga parece ser unânime na aceitação de que Clemente de Roma é o autor desta carta, pois os testemunhos mais antigos da igreja apontam nesta direção, como as inscriptiones dos antigos manuscritos, o testemunho de Eusébio, de Dionísio e de Irineu.
· Clemente era, muito provavelmente, secretário e representante de Roma e quiçá até bispo[3] ou presbítero. Não dispomos de detalhes sobre ele. Eusébio data sua gestão em Roma de 92-101 (H.E.III.15.34). Orígenes o identifica com o companheiro de Paulo do mesmo nome em Fl.4.3.
· 1Clem tem sido datado para o final do governo de Domiciano (81-96) ou início do governo de Nerva (96-98). Mais especificamente 96-97 d.C., logo após a expulsão dos filósofos de Roma por Domiciano. Isto porque o texto faz referências a tribulações sobre Roma que devem fazer alusão às perseguições domicianas (1.1). Além disso, segundo Eusébio (H.E.III.16) os problemas em Corinto surgiram sob o governo de Domiciano.
1.3. Motivo da Redação
· O motivo que deu origem à carta endereçada a Corinto foi a destituição dos presbíteros por alguns membros jovens da igreja local (47.6).[4]
· São muito poucas as informações do escrito sobre essa revolta e Clemente apenas diz que essa dissensão havia perturbado profundamente a igreja de Corinto, mas não informa o leitor sobre as causas que a provocaram.
· Portanto, a intervenção da igreja cristã de Roma através desta carta na igreja de Corinto fora motivada, como já esboçado, pela substituição de presbíteros por indivíduos mais jovens (1.1;3.3;44.3s), o que deve ter provocado alguma agitação (Vielhauer,2000).
1.4. Natureza do Escrito
· O volume e espécie do escrito força-nos a perguntar por sua forma literária (65 capítulos).
· 1Clem tem a forma literária de uma carta de fato: Pré-escrito (Intr) e conclusão epistolar (65.1,2).[5] Ela menciona a igreja de Roma como remetente e a igreja de Corinto como destinatária.
· Segundo Dibelius, uma ligação de escrito de ocasião com carta artística, assim como Efésios e I Pedro, isto é, “tratados em forma de carta” (Vielhauer,2000).
· 1Clem, contudo, se distingue das cartas católicas, pois é endereçada a uma única comunidade cristã, não a um endereço geral, tendo assim um único motivo concreto e finalidade. Portanto, 1Clem é de fato uma carta autêntica. A extensão do escrito, a quantidade de digressões, a configuração artística e retórica não alteram o fato de que ela é uma carta autêntica, e não fictícia ou meramente artística (Vielhauer,2000).
· 1Clem usa recursos da retórica contemporânea com muito mais intensidade do que Paulo e Hebreus, e, com maior habilidade, maneja as figuras lingüísticas da prosa artística e da diatribe, perguntas retóricas e imperativos, antíteses, uso de recursos sonoros e recursos semelhantes.
· Uma série de paradigmas (exemplos) ilustram as mortais conseqüências do ciúme e inveja (4-8), os bons efeitos da fé e hospitalidade (9-12), a admoestação à humildade e ao pacifismo (16-18), a admoestação ao arrependimento (51-53),etc.
· 1Clem é, sem dúvida, uma Parênese, isto é, uma coleção de admoestações à igreja de Corinto. O material que o autor usa nas seções parenéticas são: a doutrina dos dois caminhos, especialmente os catálogos de vícios de virtudes, as listas de deveres domésticos e normas da comunidade.
· Das Escrituras (AT) procedem coleções de exemplos de vícios e virtudes; da tradição cristã, uma coletânia de ditos de Jesus é citada duas vezes (13.2;46.8);[6] também tira exemplos do passado cristão (o martírio de Pedro e Paulo [5;6])[7] e da mitologia pagã (6.2;25.1-5);[8] além disso, 1Clem usa uma coleção das cartas de Paulo e Hebreus, como também materiais querigmáticos e litúrgicos da igreja do autor, dentre eles uma longa oração rogatória (59.3-61.3).
· 1Clemente recorre também a tradições pagãs, mais exatamente a uma descrição da criação do mundo pela sabedoria de Deus (20.1-11), que pode ter chegado ao autor por meio do judaísmo da diáspora (Köester,2005).
1.5. Valor de 1Clemente
· 1Clem, uma carta da igreja de Roma à comunidade cristã de Corinto, através da qual ela interfere em assuntos internos dessa comunidade, é um documento político-eclesiásico de importância histórico-eclesiástica de longo alcance (Vielhauer,2000).
· 1Clem oferece uma noção importante sobre a piedade das comunidades cristãs nesse período. O que está carta traz deve ser aquilo que domina a liturgia, a doutrina e a pregação das igrejas primitivas. Clemente está convencido de que este tipo de piedade e conduta deve ser o fundamento para a unidade de cada congregação local e de toda a igreja universal.
1.6. Conteúdo Esquemático (Vielhauer,2000)
Pré-escrito
Proêmio: Motivo da carta, a revolta em Corinto. Louvor do antigo estado das coisas da comunidade e recriminação do atual 1-3
Parte I (4-39): Parêneses
1. Contra ciúme e inveja – 4-8
a) Exemplos vétero-testamentários (4), cristãos (5) e gerais (6)
b) Admoestações penitenciais com exemplos do AT (7;8)
Segunda Carta de Clemente aos Coríntios
2. Modelos vétero-testamentários para fé e hospitalidade - 9-12
3. Admoestações à humildade e ao pacifismo – 13-19.1
a) Admoestação e fundamentação (13-15)
b) Jesus como modelo (16)
c) Modelos vétero-testamentários (17-19.1)
4. Admoestação à unidade e harmonia na comunidade – 19.2-22
a) A harmonia do cosmo como modelo (19.2-20.12)
b) Aplicação à vida da comunidade (21;22)
5. Contra dúvida referente à ressurreição – 23-36
a) Advertência contra a dúvida (23)
b) Provas da ressurreição (da natureza 24, da mitologia – pássaro Fênix – 25, da Escritura 26;27)
c) Admoestação a uma conduta de vida com relação ao juízo final (28-36)
6. Admoestação à concórdia e à unidade – 37-39
a) Modelos da ordem: exército romano 37.1-4; o corpo humano, o corpo de Cristo 37.5-38
b) Sujeição mútua (39)
Parte II (40-58): Posicionamento face às desavenças em Corinto
1. Instrução de toda a comunidade sobre a ilegalidade da demissão de presbíteros – 40-50
a) A ordem conforme a vontade divina em culto, hierarquia e sucessão (40-44)
b) Conclusões para a comunidade de Corinto (45-50): Reconhecimento da injustiça (45), recondução ao cargo dos destituídos (46-48), restabelecimento da concórdia e do amor (49; 50)
2. Instrução aos líderes do tumulto – 51-58
a) Admoestação penitencial (com exemplos) (51-53)
b) Convite à emigração espontânea (com exemplos) (54-55)[9]
c) Sujeição ao castigo da Igreja e aos presbíteros (56-58)
Conclusão
1. A oração geral da igreja (59-61)
2. Resumo do conteúdo da carta (62)
3. Recomendação dos portadores (com oração) (63.1-65.1)
4. Saudação final (65.2)
2. Segunda Carta de Clemente
2.1. Tradição
· Sempre anexo a 1Clem, a Segunda Carta de Clemente ficou preservada apenas em três manuscritos: no códice Alexandrino (A), no qual só temos o texto até 12.5, no códice de Jerusalém (H) e em um manuscrito sírio (S).
· Este escrito é denominado de “Segunda Carta de Clemente” (para Corinto) apenas nas inscriptio em H e S, e pela subscriptio de S; no códice Alexandrino (A) ele não tem título.
· Na tradição tardia da igreja, 2Clem foi relacionada com 1Clem e nestes manuscritos preservados foram copiadas juntas. Acresce-se a isso o fato de que as traduções siríacas do Novo Testamento também transmitiram 1Clem e 2Clem juntos.
· 2Clem deve ter circulado anonimamente no início, e depois por causa de sua popularidade foi atribuído a Clemente de Roma, de modo a quase ser canonizado no Egito e na Síria.
2.2. Autor, Data e Ocasião
· O autor de 2Clem não parece ser o mesmo de 1Clem, uma vez que o estilo e os pensamentos são muito diferentes um do outro.
· A atribuição tradicional do escrito a Clemente de Roma, provável autor de 1Clem, portanto, é precária: 2Clem nada diz sobre o seu autor e nem faz referência a 1Clem. O título “Segundo Clemente” só aparece de fato nos colofões dos manuscritos.
· Além disso, Eusébio afirma que não sabia de nenhum escritor antigo que conhecesse 2Clem: “Digno de nota é o fato de que se diz que existe ainda uma segunda carta de Clemente; mas sabemos que ela não é reconhecida do mesmo modo como a primeira, porque, quanto é do nosso conhecimento, também os antigos não fizeram uso dela”.[10]
· Como 1Clem foi escrita de Roma para Corinto, presumiu-se que 2Clem fora composta em Roma ou em Corinto, senão também em Alexandria. Contudo, os argumentos em favor de qualquer uma destas cidades não são conclusivos. Mas como 2Clem deve sua preservação à ligação com 1Clem, desde cedo, o mais imediato é procurar seu surgimento lá onde essa ligação foi estabelecida, isto é, no Egito[11] ou na Síria (Vielhauer,2005).
· Uma vez que 2Clem parece não conhecer ainda um cânon neotestamentário e assim faz citações de tradições apócrifas[12], admite-se que sua data de composição deve situar-se em meados do II século d.C.
2.3. Identidade Literária, Tese e Valor
· 2Clem não deve é uma carta, pois faltam nele todos os elementos característicos de uma carta: não contém introdução com autor e endereço nem saudações finais.[13]
· É provável, como aceito pela maioria, que esse seja uma homilia ou sermão escrito com o fim de ser lido no culto. Neste caso, o sermão tem o objetivo de exortar os ouvintes a tomarem em consideração a palavra da Escritura, provavelmente lida antes do sermão, o qual não deve ser uma explicação desta (Vielhauer,2005).[14]
· 2Clem se apresenta como um grande sermão sobre arrependimento ou penitencial dirigido a cristãos. Se isso for assim, então temos o mais antigo sermão cristão primitivo preservado, em 2Clem.
· As fontes autoritativas de 2Clem são “a Escritura” e “o Senhor”: 2Clem cita muitos textos do AT, especialmente dos profetas, alguns dos quais também são citados pelos Evangelhos sinópticos.[15] Da tradição evangélica faz uso apenas de ditos do Senhor, os quais ele parece tirar de fontes escritas; na verdade, pode-se demonstrar estreitos contatos destes ditos de 2Clem com Mateus e Lucas, mas não a ponto de concluir de fato seu uso; é provável que esteja fazendo uso de uma coleção escrita de ditos do Senhor (Vielhauer,2005).[16]
· Curiosamente, 2Clem parece não ter conhecimento das epístolas de Paulo (Köester,2005).[17]
· A mais importante característica de 2Clem é o apelo ao arrependimento e a admoestação à prática de boas ações ante a perspectiva do julgamento futuro (Köester,2005).
· É a mais antiga pregação cristã preservada (Vielhauer,2005).
· E dá indícios da organização eclesiástica no II século d.C.
2.4. Conteúdo Esquemático (Vielhauer,2005)
1. A grandeza da salvação em Cristo – 1,2
2. Admoestação para a “contra-recompensa” – 3-8
a) A confissão atual 3,4
b) Êxodo “deste mundo”, o qual é somente hospedagem passageira e estadia de viagem 5,6
c) Realização do compromisso batismal 7,8
3. Polêmica contra dúvida sobre a ressurreição da carne e o juízo final 9-12
4. Admoestação à penitência 13-18
a) Motivação com relação aos não-cristãos 13
b) Motivação com relação à natureza da Igreja 14
c) Motivação com relação ao pregador e ao ouvinte 15
d) Penitência como dever cristão permanente 16-18
5. Admoestação final à penitência, à disposição para o sofrimento e expectativa da glória celestial 19,20.
[1] Denes Izidro é Pastor evangélico e estudioso de Novo Testamento, desenvolvendo pesquisas na área de Bíblia e literatura cristã primitiva canônica e não-canônica. Além disso, é também professor de Língua, Literatura, Contexto e Teologia do NT, e outras disciplinas na área de Bíblia e seu contexto histórico-literário, na Faculdade Teológica Cristã do Brasil (DF). © todos os direitos autorais desta obra devem ser preservados.
[2]Vielhauer,Phillip.História da literatura cristã primtiva.Academia Cristã: São Paulo; Koester,Helmut.Introdução ao novo testamento – História e literatura do cristianismo primitivo.Paulus: São Paulo;VV.AA.Padres apostólicos.Paulus: São Paulo.
[3] Köester,op.cit., discorda que Clemente tenha sido bispo de Roma.pg.309. não obstante Irineu o ateste (Haer III.3.3.).
[4] 47.6: “6Uma vergonha, meus caros, uma vergonha muito grande e indigna de uma conduta em Cristo ouvir-se que a Igreja dos coríntios, tão inabalável e antiga, se rebele contra os presbíteros por causa de uma ou duas pessoas.”
[5] Introdução: “A Igreja de Deus estabelecida transitóriamente em Roma à Igreja de Deus estabelecida transitóriamente em Corinto, aos eleitos santificados na vontade de Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo: que a graça e a paz vos sejam dadas em plenitude da parte de Deus todo-poderoso, por Jesus Cristo.”
65.1,2:“1Aos nossos enviados, Cláudio Efebo e Valério Bito, junto com Fortunato, enviai-os rapidamente de volta na paz e com alegria, para que logo nos tragam notícias sobre a harmonia e paz, pela qual tanto rezamos e suplicamos e assim, mais depressa, nos alegremos da boa ordem entre vós. 2A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja convosco e com todos os eleitos de Deus, através Dele por toda a parte. Por Jesus, seja dada a Deus glória, honra, poder e majestade, o trono eterno, desde todos os séculos e para todos os séculos dos séculos. Amém.”
[6] 13.2: “Pois foi ele que disse isto: "Sede misericordiosos para obterdes misericórdia. Perdoai para que sejais perdoados. Assim como fizerdes, assim vos será feito. Da forma como derdes, assim vos será dado. Do modo como julgardes, assim sereis julgados. Como fizerdes o bem, assim vos será feito. Com a medida que medirdes, também vos será medido em troca".”
46.8: “porque foi Ele quem disse: "Ai daquele homem! Melhor seria que não tivesse nascido do que escandalizar um dos meus eleitos. Mais lhe valeria amarrar uma pedra em seu pescoço e afundar no mar do que perverter um dos meus eleitos".”
[7] 5.2-7: “2Por ciúme e inveja foram perseguidos e lutaram até à morte as nossas colunas mais elevadas e retas.3Fixemos nossos olhos sobre os valorosos apóstolos:4Pedro, que por ciúme injusto não suportou apenas uma ou duas, mas numerosas provas e, depois de assim render testemunho, chegou ao merecido lugar da glória.5Por ciúme e discórdia, Paulo ostentou o preço da paciência.6Sete vezes acorrentado, exilado, apedrejado, missionário no Oriente e no Ocidente, recebeu a ilustre glória por sua fé.7Ensinou a justiça no mundo todo e chegou até os confins do Ocidente, dando testemunho diante das autoridades. Assim, deixou o mundo e foi buscar o lugar santo, ele, que se tornou o mais ilustre exemplo da paciência.”
[8] 25.1-4: “1Consideremos o sinal prodigioso que ocorre na região oriental, isto é, nas terras próximas da Arábia.2Aí existe um pássaro chamado fênix, único na espécie e que vive quinhentos anos. Quando está para morrer, ergue seu próprio sepulcro usando incenso, mirra e outras plantas aromáticas e, ao completar seu tempo, aí se introduz e morre.3De sua carne em decomposição nasce uma larva que se alimenta da matéria putrefata do animal morto e cria asas; quando se torna forte, levanta o sepulcro onde se encontram os restos de seu ancestral e carrega-o, voando da terra da Arábia até a cidade do Egito chamada Heliópolis.4E, em plena luz do dia, aos olhos de todos, transporta e depõe aqueles restos sobre o altar do sol; a seguir, retoma o vôo de volta.”
[9] 54.1-4: “1Quem, dentre vós, for nobre, compassivo e cheio de caridade,2diga: "se é por minha causa que há revolta, discórdia e cisma, eu me retiro, parto para onde quiserdes e faço o que for pedido pela comunidade, desde que apenas o rebanho de Cristo viva em paz com os presbíteros constituídos".3Quem agir dessa maneira obterá grande glória em Cristo e será recebido em toda a parte, "pois do Senhor é a terra e sua plenitude".4É isso o que fizeram e ainda fazem os que trilham, sem remorsos, o caminho de Deus.”
55.2-6 (exemplos): “2Conhecemos muitos dentre os nossos que se entregaram à prisão para resgatarem outros. Muitos se entregaram à escravidão para sustentar os demais com o dinheiro pago.3Muitas mulheres, fortalecidas pela graça de Deus, realizaram difíceis tarefas.4A bem-aventurada Judite, durante o cêrco da cidade, pediu aos presbíteros a permissão para se ausentar do acampamento dos estrangeiros.5Expondo-se ao perigo, saiu por amor à pátria e ao povo em cêrco. E o Senhor entregou Holofernes na mão de uma mulher.6Perfeita na fé, Ester expôs a si mesma num perigo não menor, para salvar da proximidade da morte as doze tribos de Israel. Pelo jejum e humilhação, suplicou ao Senhor que tudo vê, o Deus dos séculos. E este, vendo a humildade de sua alma, salvou o povo em favor daquela que se expusera ao perigo.”
[10] H.E.III.38.4.citado IN: Vielhauer, Philipp.História da literature cristã primitiva.Academia Cristã:São Paulo.pg.765.
[11] Köester,Introdução ao novo testamento, vol.2.,pg.255, entende que o escrito de 2Clem é foram produzido no Egito, com fins Anti-gnósticos. Quanto a origem de 2Clem, assim Köester se pronuncia: “Todas essas observações colocam 2Clemente diretamente no contexto de uma comunidade cristã do Egito que procura estabelecer sua própria religiosidade em obediência às palavras de Jesus contra um cristianismo gnóstico predominante nesse país.”op.cit.,pg.255.
[12] XI : “Portanto, sirvamos a Deus com o coração puro, para sermos justos; porém, se não o Servirmos, porque não cremos na promessa de Deus, seremos desgraçados, pois a palavra da profecia diz também: "Desgraçados os indecisos, que duvidam em seu coração e dizem: 'Essas coisas temos ouvido, inclusive nos dias de nossos pais; entretanto, temos aguardado dia após dia e nada temos visto. Estúpidos! Comparem-se a árvores; a uma vinha, por exemplo: primeiro, desprendem-se as folhas, logo sai um broto, depois vem o agraz e, por fim, as uvas maduras. Do mesmo modo meu povo passou por problemas e aflições; porém, depois receberá as coisas boas.””
V: “Portanto, irmãos, renunciemos nossa estadia neste mundo e façamos a vontade d'Aquele que nos chamou; não tenhamos medo de nos apartar deste mundo, pois o Senhor disse: "Sereis como cordeiros no meio de lobos". Porém, Pedro O contestou e disse: "O que ocorre, então, se os lobos devorarem os cordeiros?" E Jesus respondeu a Pedro: "Os cordeiros não precisam ter medo dos lobos depois de mortos. Vós também não deveis temer os que vos matam e nada mais podem fazer. Temei antes Aquele que, depois de tiverdes morrido, tem poder sobre a vossa alma e vosso corpo, para atirá-los na geena de fogo””.
VIII: “Eis o que o Senhor diz no Evangelho: "Se não guardastes o que era pequeno, quem vos dará o que é grande? Pois eu vos digo: o que é fiel no pouco, é fiel também no muito”.
XII: “Deste modo, esperemos o reino de Deus, hora após hora, com amor e justiça, já que não sabemos qual será o dia da aparição de Deus. Eis que o mesmo Senhor, quando certa pessoa lhe perguntou quando viria o seu reino, respondeu: "Quando os dois forem um, quando o que estiver fora for como o que estiver dentro, e o varão for como a mulher, não havendo nem varão, nem mulher”. Pois bem: os dois são um quando dizemos a verdade entre nós e entre dois corpos haverá apenas uma alma, sem divisão. E, ao dizer que o exterior será como o interior, quer dizer isto: o interior é a alma e o exterior é o corpo; portanto, da mesma maneira que aparece o corpo, se manifesta a alma em suas boas obras. E, ao dizer o varão como a mulher, nem varão, nem mulher, significa isto: que um irmão ao ver uma irmã não deveria pensar nela como sendo sua mulher e que uma irmã ao ver um irmão não deveria pensar nele como sendo seu homem. Se fizerdes estas coisas - diz Ele - logo vira o reino de Meu Pai.”” (EvTom 22).
[13] Início de 2Clem: “Irmãos: deveríamos pensar em Jesus Cristo como Deus e Juiz dos vivos e dos mortos. Não deveríamos, ao contrário, pensar em coisas medíocres sobre a salvação pois, quando pensamos em coisas medíocres, esperamos também receber coisas medíocres. Os que escutam que estas coisas são medíocres fazem mal; e nós também fazemos mal não sabendo de onde e por quem e para onde somos chamados, e quantas coisas tem sofrido Jesus Cristo por nossa causa. Que recompensa, pois, Lhe daremos? Ou qual fruto de Seu dom poderá nos ser dado? E quanta misericórdia Lhe devemos! Eis que Ele nos concedeu a luz; nos chamou como um pai chama seus filhos; nos salvou quando estávamos morrendo... Que louvor Lhe rendemos? Ou o que foi pago de recompensa pelas coisas que temos recebido, já que éramos cegos em nosso entendimento; rendíamos culto a paus e pedras, a ouro, prata e bronze, obras humanas; e toda a nossa vida não era outra coisa que a própria morte? Assim, pois, quando estávamos envolvidos nas trevas e oprimidos em nossa visão por esse espesso nevoeiro, recobramos a vista e pusemos de lado, por Sua vontade, a nuvem que nos encobria. Ele teve misericórdia de nós! Em sua compaixão nos salvou, pois nos vira mergulhados no erro e na perdição, quando não tínhamos esperança de salvação, exceto a que vinha d'Ele! Ele nos chamou quando ainda não éramos; e do nosso não ser, quis Ele que fôssemos.”
Final de 2Clem: “Não permitas tampouco que isto perturbe a tua mente: ver os ímpios possuírem riquezas e os servos de Deus sofrerem apertos. Tenhamos fé, irmãos e irmãs! Estamos lutando nas fileiras de um Deus vivo; recebemos treinamento na vida presente para que possamos ser coroados na [vida] futura. Nenhum justo recolheu o fruto rapidamente, mas espera que este chegue. Porque se Deus desse imediatamente a recompensa aos justos, então nosso treinamento seria pago de forma comercial, e não conforme a piedade, porque não seríamos justos em razão da piedade, mas por causa da ganância. E por isso o juízo divino alcança o espírito daquele que não é justo, e o acorrenta.
- Ao único Deus invisível, Pai da verdade, que nos enviou o Salvador e Príncipe da imortalidade, por meio do qual Deus também nos manifestou a verdade e a vida celestial: a Ele seja a glória pelos séculos dos séculos. Amém.”
[14] 19.1 nos dá maiores detalhes sobre esse sermão: “Portanto, irmãos e irmãs, após ouvir o Deus da verdade, leio-vos uma exortação a fim de que possais prestar atenção às coisas que estão escritas, para que possais salvar-vos a vós mesmos e aos que vivem no meio de vós.”
[15] 2Clem 3.5 = Is.29.13 (Mc.7.6;Mt.15.8); 2Clem 7.6 = Is.66.24b (Mc.9.48); 2Clem 14.1 = Jr.7.11a (Mt.21.13).
[16] Sobre essa provável coleção de ditos do Senhor, assim diz Köester,op.cit.,pg.254: “As palavras de Jesus citadas na carta pressupõem os Evangelhos do Novo Testamento de Mateus e Lucas;elas provavelmente foram extraídas de uma coleção harmonizada de ditos que fora composta com base nesses dois evangelhos.”.
[17] Köester observa que a hipótese de uma origem desse escrito em Corinto não é compatível com esse silenciamento quanto ao corpus paulinum, uma vez que ali as cartas de Paulo eram bem conhecidas. Em contra-partida, indica a hipótese do Egito como provável origem de 2Clem, uma vez que essa explicaria o tal silêncio em relação à Paulo.op.cit.,pg.255.
FACULDADE TEOLÓGICA CRISTÃ DO BRASIL – F.T.C.B.
Literatura Cristã Primitiva
Denes Izidro, Professor ©[1]
DIDAQUÊ[2]
DIDAXH
1. Tradição
O Didaquê[3] (Did) foi descoberto em 1873 num códice que datava de 1056 e que continha além desse texto também uma obra de Crisóstomo, o livro de Barn, as duas cartas de Clemente e a correspondência de Inácio de Antioquia. Este texto da Did foi publicado, então, em 1883, por Bryennios e em 1884 A.Harnack, com um impacto acadêmico semelhante às descobertas de Qumrân, em 1947.
Em grego ainda existem os seguintes testemunhos da Did: um pequeno fragmento (Did.1.3b-4a;2.7b-3.2a) está preservado no Papiro Oxyrhyncus 1782 (final do IV); temos também toda a Did incluída no VII livro Das Constituições Apostólicas, contudo bastante parafraseada; um fragmento do artigo sobre os Dois Caminhos (Did.1.1-4.8,sem 1.3b-2.1) encontra-se quase literalmente na Constituição Eclesiástica Apostólica.
Das traduções temos apenas fragmentos de versões em latim, copta, etíope e georgiano.
2. Conteúdo e Estrutura Literária (Vielhauer,2005)
I. Os Dois Caminhos 1-6
1.O Caminho da Vida 1.2-4.14[4]
2.O Caminho da Morte 5
3. Admoestação Final 6[5]
II. Disposições Litúrgicas 7-10
1. Batismo 7[6]
2. Jejum 8.1
3. A oração diária 8.2s
4. Orações eucarísticas 9,10[7]
III. Disposições sobre a atitude perante pregadores itinerantes 11-13[8]
1. Verdadeiros e falsos mestres 11.1s
2. Verdadeiros e falsos apóstolos e profetas 11.3-12
a) Apóstolos. Acolhimento e duração de sua permanência, critério para sua autenticidade 11.3-6.
b) Profetas. Critérios para sua auntenticidade 11.3-5
3. Irmãos itinerantes 12
a) Acolhimento, exame e apoio 12.1s.
b) Condições para seu estabelecimento 12.3-4
4. Estabelecimento de verdadeiros profetas e mestres na comunidade. Obrigação da comunidade de sustentá-los. 13
IV. Disposições sobre a vida da comunidade 14,15
1. Eucaristia dominical. Condições para participação 14
2. Bispos e diáconos 15.1s
3. Dever da exortação e do amor fraternal 15.3s.
V. Apocalipse 16
3. O Problema Crítico do Título
Na tradição manuscrita subsistente o Did aparece com dois títulos:
1. Didaxh\ tw=n dw/deka a)posto/lwn
2. Didaxh\ kuri/ou dia\ tw=n dw/deka a)posto/lwn toi=j e)/qnesin
A maioria dos estudiosos opta pela leitura mais extensa (2), supondo que a mesma tenha sido reduzida, resultando na primeira forma (1). Quanto a isso Harnack conclui dizendo que “O escrito é realmente, conforme o testifica o título, uma exposição dos ensinamentos que provêm de Cristo, destinada aos cristãos gentílicos dados aos cristãos como à e)kklhsi/a, tal como, de acordo com a opinião do autor, os proclamaram e transmitiram os apóstolos”. De acordo com essa compreensão, a Did pertence àquela literatura pseudepigráfica que faz dos (doze) apóstolos os portadores da tradição.
Não obstante, segundo Audet a tendência histórico-traditiva geral se encaminha para a ampliação e não redução. Ele destaca com ênfase que o título extenso (2) é atestado apenas pelo códice Hierosolimitano e pela versão georgiana, enquanto que todos os testemunhos da igreja antiga para a Did conhecem apenas um título mais breve em diferentes formulações (“Doutrina dos Apóstolos” ou “Doutrinas dos Apóstolos”, e sempre sem o “Doze”). Acrescenta ainda que a maioria desses testemunhos é independente um do outro. Além disso, a forma extensa com fins ao esclarecimento mais ampla da obra é mais coerente com as posteriores ampliações. Portanto, a prioridade do título breve (1) deve ser considerada ponto pacífico juntamente com o fato de que ele também não continha o número doze, pois este não se encontra em outros manuscritos (Vielhauer,2005). Então a forma primitiva seria Didaxh\ tw=n a)posto/lwn.
Uma outra pergunta também muito importante é sobre a originalidade o título, isto é, sobre se ele provém do didaquista que com isso quis dar autoridade apostólica ao seu texto ou foi interpolado posteriormente. A resposta deve ser negativa – o título não faz parte do texto original, pois no corpo do Did em parte alguma se afirma a origem apostólica desse escrito, em parte alguma se invoca a autoridade dos apóstolos[9]. Isso não acontece nem mesmo onde isso deveria ser esperado obrigatoriamente, na passagem sobre os verdadeiros e falsos apóstolos (11.3-6), a única passagem no corpo da Did onde os apóstolos são mencionados.[10]
Essa constatação sugere a conclusão de que não apenas o número doze no título, mas inclusive o próprio título Didaxh\ tw=n a)posto/lwn não é do didaquista, mas de um interpolador posterior e que em sua origem, portanto, a obra não reivindicava autoridade apostólica, sendo transformada posteriormente em um pseudepígrafo apostólico. Por gozar de grande aceitação o escrito foi colocado sob a proteção da autoridade apostólica, numa época em que os apóstolos formavam uma autoridade incontestada.[11]
Portanto, é preciso livrar-se da idéia, sugerida pelo falso título, de que o Did pertenceria àquela literatura pseudepígrafa que procura sancionar sua doutrina por meio da ficção da origem apostólica. Originalmente o Did não tinha título e nem pretensões apostólicas, devendo ser entendido a partir dele mesmo (Vielhauer,2005).
4. Gênero Literário e Motivação
O Did é uma Ordem Eclesiástica, isto é, uma Constituição Eclesiástica, e a mais antiga. Corrobora para isso o fato de ele não é uniforme, mas composto de diversas partes oriundas de diversas fontes. O Did representa a tentativa de codificar as regras morais, litúrgicas, de direito eclesiástico e outras ordens que se haviam mostrado úteis e necessárias. Ela está orientada exclusivamente na prática e deixa de lado, com exceção de Did.16, todos os elementos dogmáticos e doutrinários.
Desconhece-se um motivo concreto que tenha levado à codificação dessas regras organizacionais da comunidade cristã primitiva e com isso à criação desse novo gênero cristão. Dificilmente poderia ter sido a resolução de um problema cristão contemporâneo sobre os verdadeiros e falsos apóstolos e profetas; esse resultaria numa obra polemista e não organizacional. Quiçá apenas a necessidade natural de uma jovem igreja de organizar-se quanto às ordenanças e estatutos da igreja de Cristo.
5. Problemas Crítico-Literários e Crítico-Textuais
5.1.Fontes do Didaquê
Quantos às fontes usadas pelo didaquista, constam em primeiro lugar as citações: ordem do batismo 7.1;[12]o Pai-Nosso 8.2[13];as orações da ceia 9s. É discutível até que ponto as regras da comunidade de 11-15 se constituem de citações ou formulações próprias do didaquista.
Sem dúvida, o artigo sobre os Dois Caminhos é uma das fontes do Did, pois ele existiu como unidade independente, uma vez que também aparece no texto de Barn 18-20 e ambos os textos são comprovadamente independentes entre si.
Também o pequeno texto apocalíptico do Did.16.3-8 é, com muita probabilidade, adotado de alguma fonte, visto que seu estilo difere em muito do texto precedente.
5.2. Interpolações Posteriores
· A coleção de ditos de Did 1.3b-2.1 não faz parte da unidade dos Dois Caminhos, como indica sua variação na tradição manuscrita. Contudo, é controvertido se ela foi introduzida pelo didaquista ou por um interpolador posterior; a última hipótese é mais aceita.
· Interpolações em outras partes do texto do Did também tem sido apresentadas por estudiosos.
5.3. Problema Crítico-Textual
· O texto do Did descoberto por Bryennios não é confiável como demonstram as variantes textuais existentes em outros manuscritos. O problema se agrava quando se volta para o fato de que uma restauração crítica do texto não é possível por enquanto, uma vez que não dispomos de material manuscrito comparativo para tal tarefa.
· Pelo menos algumas variantes da tradução copta de Did.10.3-12.1 levaram a reconstrução de um texto seguro de algumas passagens. Mas por outro lado levanta novos problemas pelo fato de intercalar entre 10.7 e 11.1 uma oração de ações de graça pelo “óleo da unção”; teria sido essa oração suprimida do texto de Bryennios ou seria um acréscimo no texto copta e em outras tradições manuscritas?
· O fato é que não dispomos de material suficiente para uma reconstrução textual segura do Did e que se não vierem em nosso socorro novas descobertas, as condições da Did permanecem desconsoladoras e as conclusões históricas hipotéticas.
· É, portanto, muito sério o problema textual do Didaquê!
6. Tempo e Lugar da Redação
· Sobre o tempo da redação, os pontos de contato entre Did e Barn não podem ajudar, uma vez que não dependência literária entre eles, antes os mesmos fazem uso de tradição comum. É sobretudo a constituição da comunidade que dá a impressão de antiguidade: os profetas e mestres que nas comunidades paulinas têm residência fixa, agora são pregadores itinerantes, o que aponta para uma época pós-paulina; o fato de que os judeus sequer são mencionados no Did, não constituindo, portanto, um problema nem exterior nem interior para esta comunidade, aponta para um época na qual eles se tornaram insignificantes, portanto depois de 70 d.C.; também a escatologia da iminência da vinda do Senhor e do fim do mundo também não é enfatizada no Apolicalipse de Did 16.3-8. A datação aproximada com base nesses indícios é de inícios do II século d.C.
· Quanto ao lugar da redação do Did, deixando de lado os elementos dados pela tradição e que, por isso, podem dar informações somente sobre a origem dessa tradição, não, porém, sobre o Did como um todo, e restringindo-nos àqueles traços que o didaquista menciona por razões de seu tempo, é importante observar a informação sobre a falta de água como dificuldade que pode apontar para o lugar de sua redação: um indício contra o Egito, rico em água, como lugar da redação do Did, mas como depositário de sua tradição. Quiçá a Síria seja o lugar de sua redação, embora tudo isso seja incerto (Vielhauer,2005).
[1]Denes Izidro é Pastor evangélico e estudioso de Novo Testamento, desenvolvendo pesquisas na área de Bíblia e literatura cristã primitiva canônica e não-canônica. Além disso, é também professor de Língua, Literatura, Contexto e Teologia do NT, e outras disciplinas na área de Bíblia e seu contexto histórico-literário, na Faculdade Teológica Cristã do Brasil (DF). © todos os direitos autorais desta obra devem ser preservados.
[2]Este texto foi redigido com base quase que exclusiva da magna obra de Vielhauer:Vielhauer,Phillip.História da literatura cristã primtiva.Academia Cristã: São Paulo, com revisão de Denes Izidro;Köester,Helmut.Introdução ao novo testamento – História e literatura do cristianismo primitivo.Paulus:São Paulo.
[3] A excelente definição sintética de Köester sobre o Didaquê deve ser considerada: “..Didaqué, o mais antigo compêndio subsistente de diretrizes da Igreja cristã, composto em algum momento ao longo do século II, mas incluindo materiais preciosos do século I, muito provavelmente das primeiras igrejas da Síria. Apesar de conhecida pelo nome e frequentemente adotada em instruções posteriores da Igreja cristã, a Didaqué só foi descoberta no Códice Hierosolimitano do século X e publicada em 1883...Ela é uma compilação de vários materiais antigos;..”Köester, Helmut. Introdução ao novo testamento – História e literatura do cristianismo primitivo.Vol.2.pg.174.
[4] Did.3.5: “5Filho, não seja mentiroso pois a mentira leva ao roubo.”
Did.4.9: “9Não se descuide de seu filho ou filha. Muito pelo contrário, desde a infância instrua-os a temer a Deus.”
[5] Did.6: “1Fique atento para que ninguém o afaste do caminho da instrução, pois quem faz isso ensina coisas que não pertencem a Deus.2Você será perfeito se conseguir carregar todo o jugo do Senhor. Se isso não for possível, faça o que puder. 3A respeito da comida, observe o que puder. Não coma nada do que é sacrificado aos ídolos pois esse culto é destinado a deuses mortos.”
[6] Did.7: “1Quanto ao batismo, faça assim: depois de ditas todas essas coisas, batize em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.2Se você não tiver água corrente, batize em outra água. Se não puder batizar com água fria, faça com água quente.3Na falta de uma ou outra, derrame água três vezes sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. 4Antes de batizar, tanto aquele que batiza como o batizando, bem como aqueles que puderem, devem observar o jejum. Você deve ordenar ao batizando um jejum de um ou dois dias.”
[7] Did.9.5: “5Que ninguém coma nem beba da Eucaristia sem antes ter sido batizado em nome do Senhor pois sobre isso o Senhor disse: "Não dêem as coisas santas aos cães".”
[8] Did.11: “1Se vier alguém até você e ensinar tudo o que foi dito anteriormente, deve ser acolhido.2Mas se aquele que ensina é perverso e ensinar outra doutrina para te destruir, não lhe dê atenção. No entanto, se ele ensina para estabelecer a justiça e conhecimento do Senhor, você deve acolhê-lo como se fosse o Senhor. 3Já quanto aos apóstolos e profetas, faça conforme o princípio do Evangelho. 4Todo apóstolo que vem até você deve ser recebido como o próprio Senhor. 5Ele não deve ficar mais que um dia ou, se necessário, mais outro. Se ficar três dias é um falso profeta. 6Ao partir, o apóstolo não deve levar nada a não ser o pão necessário para chegar ao lugar onde deve parar. Se pedir dinheiro é um falso profeta. 7Não ponha à prova nem julgue um profeta que fala tudo sob inspiração, pois todo pecado será perdoado, mas esse não será perdoado. 8Nem todo aquele que fala inspirado é profeta, a não ser que viva como o Senhor. É desse modo que você reconhece o falso e o verdadeiro profeta.9Todo profeta que, sob inspiração, manda preparar a mesa não deve comer dela. Caso contrário, é um falso profeta.10Todo profeta que ensina a verdade mas não pratica o que ensina é um falso profeta. 11Todo profeta comprovado e verdadeiro, que age pelo mistério terreno da Igreja, mas que não ensina a fazer como ele faz não deverá ser julgado por você; ele será julgado por Deus. Assim fizeram também os antigos profetas.12Se alguém disser sob inspiração: "Dê-me dinheiro" ou qualquer outra coisa, não o escutem. Porém, se ele pedir para dar a outros necessitados, então ninguém o julgue.
Did.12: “1Acolha toda aquele que vier em nome do Senhor. Depois, examine para conhecê-lo, pois você tem discernimento para distinguir a esquerda da direita. 2Se o hóspede estiver de passagem, dê-lhe ajuda no que puder. Entretanto, ele não deve permanecer com você mais que dois ou três dias, se necessário. 3Se quiser se estabelecer e tiver uma profissão, então que trabalhe para se sustentar. 4Porém, se ele não tiver profissão, proceda de acordo com a prudência, para que um cristão não viva ociosamente em seu meio. 5Se ele não aceitar isso, trata-se de um comerciante de Cristo. Tenha cuidado com essa gente!”
[9] Contudo, na reprodução da Did pela Constituição Eclesiástica Apostólica a origem apostólica é fortemente acentuada, e isso é feito de tal modo que se põem na boca de cada um dos apóstolos algumas frases de Did 1-4.
[10] Did.11.3-6: “3Já quanto aos apóstolos e profetas, faça conforme o princípio do Evangelho. 4Todo apóstolo que vem até você deve ser recebido como o próprio Senhor.5Ele não deve ficar mais que um dia ou, se necessário, mais outro. Se ficar três dias é um falso profeta. 6Ao partir, o apóstolo não deve levar nada a não ser o pão necessário para chegar ao lugar onde deve parar. Se pedir dinheiro é um falso profeta.”
[11] Esse tipo de “apostolicização literária” pode ser exemplifica pelos escritos de Hebreus e Barn, onde o endereço “Aos Hebreus”, no primeiro, tem a função de paulinizar o escrito, e o título “Carta de Barnabé” quer “catolicizar” a obra anônima; ambas as edições querem atestar a procedência apostólica a ambos os escritos.
[12] “1Quanto ao batismo, faça assim: depois de ditas todas essas coisas, batize em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.”
[13] “2Não reze como os hipócritas, mas como o Senhor ordenou em seu Evangelho. Reze assim: "Pai nosso que estás no céu, santificado seja o teu nome, venha o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão-nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai nossa dívida, assim como também perdoamos os nossos devedores e não nos deixes cair em tentação, mas livrai-nos do mal porque teu é o poder e a glória para sempre".3Rezem assim três vezes ao dia.”
Literatura Cristã Primitiva
Denes Izidro, Professor ©[1]
DIDAQUÊ[2]
DIDAXH
1. Tradição
O Didaquê[3] (Did) foi descoberto em 1873 num códice que datava de 1056 e que continha além desse texto também uma obra de Crisóstomo, o livro de Barn, as duas cartas de Clemente e a correspondência de Inácio de Antioquia. Este texto da Did foi publicado, então, em 1883, por Bryennios e em 1884 A.Harnack, com um impacto acadêmico semelhante às descobertas de Qumrân, em 1947.
Em grego ainda existem os seguintes testemunhos da Did: um pequeno fragmento (Did.1.3b-4a;2.7b-3.2a) está preservado no Papiro Oxyrhyncus 1782 (final do IV); temos também toda a Did incluída no VII livro Das Constituições Apostólicas, contudo bastante parafraseada; um fragmento do artigo sobre os Dois Caminhos (Did.1.1-4.8,sem 1.3b-2.1) encontra-se quase literalmente na Constituição Eclesiástica Apostólica.
Das traduções temos apenas fragmentos de versões em latim, copta, etíope e georgiano.
2. Conteúdo e Estrutura Literária (Vielhauer,2005)
I. Os Dois Caminhos 1-6
1.O Caminho da Vida 1.2-4.14[4]
2.O Caminho da Morte 5
3. Admoestação Final 6[5]
II. Disposições Litúrgicas 7-10
1. Batismo 7[6]
2. Jejum 8.1
3. A oração diária 8.2s
4. Orações eucarísticas 9,10[7]
III. Disposições sobre a atitude perante pregadores itinerantes 11-13[8]
1. Verdadeiros e falsos mestres 11.1s
2. Verdadeiros e falsos apóstolos e profetas 11.3-12
a) Apóstolos. Acolhimento e duração de sua permanência, critério para sua autenticidade 11.3-6.
b) Profetas. Critérios para sua auntenticidade 11.3-5
3. Irmãos itinerantes 12
a) Acolhimento, exame e apoio 12.1s.
b) Condições para seu estabelecimento 12.3-4
4. Estabelecimento de verdadeiros profetas e mestres na comunidade. Obrigação da comunidade de sustentá-los. 13
IV. Disposições sobre a vida da comunidade 14,15
1. Eucaristia dominical. Condições para participação 14
2. Bispos e diáconos 15.1s
3. Dever da exortação e do amor fraternal 15.3s.
V. Apocalipse 16
3. O Problema Crítico do Título
Na tradição manuscrita subsistente o Did aparece com dois títulos:
1. Didaxh\ tw=n dw/deka a)posto/lwn
2. Didaxh\ kuri/ou dia\ tw=n dw/deka a)posto/lwn toi=j e)/qnesin
A maioria dos estudiosos opta pela leitura mais extensa (2), supondo que a mesma tenha sido reduzida, resultando na primeira forma (1). Quanto a isso Harnack conclui dizendo que “O escrito é realmente, conforme o testifica o título, uma exposição dos ensinamentos que provêm de Cristo, destinada aos cristãos gentílicos dados aos cristãos como à e)kklhsi/a, tal como, de acordo com a opinião do autor, os proclamaram e transmitiram os apóstolos”. De acordo com essa compreensão, a Did pertence àquela literatura pseudepigráfica que faz dos (doze) apóstolos os portadores da tradição.
Não obstante, segundo Audet a tendência histórico-traditiva geral se encaminha para a ampliação e não redução. Ele destaca com ênfase que o título extenso (2) é atestado apenas pelo códice Hierosolimitano e pela versão georgiana, enquanto que todos os testemunhos da igreja antiga para a Did conhecem apenas um título mais breve em diferentes formulações (“Doutrina dos Apóstolos” ou “Doutrinas dos Apóstolos”, e sempre sem o “Doze”). Acrescenta ainda que a maioria desses testemunhos é independente um do outro. Além disso, a forma extensa com fins ao esclarecimento mais ampla da obra é mais coerente com as posteriores ampliações. Portanto, a prioridade do título breve (1) deve ser considerada ponto pacífico juntamente com o fato de que ele também não continha o número doze, pois este não se encontra em outros manuscritos (Vielhauer,2005). Então a forma primitiva seria Didaxh\ tw=n a)posto/lwn.
Uma outra pergunta também muito importante é sobre a originalidade o título, isto é, sobre se ele provém do didaquista que com isso quis dar autoridade apostólica ao seu texto ou foi interpolado posteriormente. A resposta deve ser negativa – o título não faz parte do texto original, pois no corpo do Did em parte alguma se afirma a origem apostólica desse escrito, em parte alguma se invoca a autoridade dos apóstolos[9]. Isso não acontece nem mesmo onde isso deveria ser esperado obrigatoriamente, na passagem sobre os verdadeiros e falsos apóstolos (11.3-6), a única passagem no corpo da Did onde os apóstolos são mencionados.[10]
Essa constatação sugere a conclusão de que não apenas o número doze no título, mas inclusive o próprio título Didaxh\ tw=n a)posto/lwn não é do didaquista, mas de um interpolador posterior e que em sua origem, portanto, a obra não reivindicava autoridade apostólica, sendo transformada posteriormente em um pseudepígrafo apostólico. Por gozar de grande aceitação o escrito foi colocado sob a proteção da autoridade apostólica, numa época em que os apóstolos formavam uma autoridade incontestada.[11]
Portanto, é preciso livrar-se da idéia, sugerida pelo falso título, de que o Did pertenceria àquela literatura pseudepígrafa que procura sancionar sua doutrina por meio da ficção da origem apostólica. Originalmente o Did não tinha título e nem pretensões apostólicas, devendo ser entendido a partir dele mesmo (Vielhauer,2005).
4. Gênero Literário e Motivação
O Did é uma Ordem Eclesiástica, isto é, uma Constituição Eclesiástica, e a mais antiga. Corrobora para isso o fato de ele não é uniforme, mas composto de diversas partes oriundas de diversas fontes. O Did representa a tentativa de codificar as regras morais, litúrgicas, de direito eclesiástico e outras ordens que se haviam mostrado úteis e necessárias. Ela está orientada exclusivamente na prática e deixa de lado, com exceção de Did.16, todos os elementos dogmáticos e doutrinários.
Desconhece-se um motivo concreto que tenha levado à codificação dessas regras organizacionais da comunidade cristã primitiva e com isso à criação desse novo gênero cristão. Dificilmente poderia ter sido a resolução de um problema cristão contemporâneo sobre os verdadeiros e falsos apóstolos e profetas; esse resultaria numa obra polemista e não organizacional. Quiçá apenas a necessidade natural de uma jovem igreja de organizar-se quanto às ordenanças e estatutos da igreja de Cristo.
5. Problemas Crítico-Literários e Crítico-Textuais
5.1.Fontes do Didaquê
Quantos às fontes usadas pelo didaquista, constam em primeiro lugar as citações: ordem do batismo 7.1;[12]o Pai-Nosso 8.2[13];as orações da ceia 9s. É discutível até que ponto as regras da comunidade de 11-15 se constituem de citações ou formulações próprias do didaquista.
Sem dúvida, o artigo sobre os Dois Caminhos é uma das fontes do Did, pois ele existiu como unidade independente, uma vez que também aparece no texto de Barn 18-20 e ambos os textos são comprovadamente independentes entre si.
Também o pequeno texto apocalíptico do Did.16.3-8 é, com muita probabilidade, adotado de alguma fonte, visto que seu estilo difere em muito do texto precedente.
5.2. Interpolações Posteriores
· A coleção de ditos de Did 1.3b-2.1 não faz parte da unidade dos Dois Caminhos, como indica sua variação na tradição manuscrita. Contudo, é controvertido se ela foi introduzida pelo didaquista ou por um interpolador posterior; a última hipótese é mais aceita.
· Interpolações em outras partes do texto do Did também tem sido apresentadas por estudiosos.
5.3. Problema Crítico-Textual
· O texto do Did descoberto por Bryennios não é confiável como demonstram as variantes textuais existentes em outros manuscritos. O problema se agrava quando se volta para o fato de que uma restauração crítica do texto não é possível por enquanto, uma vez que não dispomos de material manuscrito comparativo para tal tarefa.
· Pelo menos algumas variantes da tradução copta de Did.10.3-12.1 levaram a reconstrução de um texto seguro de algumas passagens. Mas por outro lado levanta novos problemas pelo fato de intercalar entre 10.7 e 11.1 uma oração de ações de graça pelo “óleo da unção”; teria sido essa oração suprimida do texto de Bryennios ou seria um acréscimo no texto copta e em outras tradições manuscritas?
· O fato é que não dispomos de material suficiente para uma reconstrução textual segura do Did e que se não vierem em nosso socorro novas descobertas, as condições da Did permanecem desconsoladoras e as conclusões históricas hipotéticas.
· É, portanto, muito sério o problema textual do Didaquê!
6. Tempo e Lugar da Redação
· Sobre o tempo da redação, os pontos de contato entre Did e Barn não podem ajudar, uma vez que não dependência literária entre eles, antes os mesmos fazem uso de tradição comum. É sobretudo a constituição da comunidade que dá a impressão de antiguidade: os profetas e mestres que nas comunidades paulinas têm residência fixa, agora são pregadores itinerantes, o que aponta para uma época pós-paulina; o fato de que os judeus sequer são mencionados no Did, não constituindo, portanto, um problema nem exterior nem interior para esta comunidade, aponta para um época na qual eles se tornaram insignificantes, portanto depois de 70 d.C.; também a escatologia da iminência da vinda do Senhor e do fim do mundo também não é enfatizada no Apolicalipse de Did 16.3-8. A datação aproximada com base nesses indícios é de inícios do II século d.C.
· Quanto ao lugar da redação do Did, deixando de lado os elementos dados pela tradição e que, por isso, podem dar informações somente sobre a origem dessa tradição, não, porém, sobre o Did como um todo, e restringindo-nos àqueles traços que o didaquista menciona por razões de seu tempo, é importante observar a informação sobre a falta de água como dificuldade que pode apontar para o lugar de sua redação: um indício contra o Egito, rico em água, como lugar da redação do Did, mas como depositário de sua tradição. Quiçá a Síria seja o lugar de sua redação, embora tudo isso seja incerto (Vielhauer,2005).
[1]Denes Izidro é Pastor evangélico e estudioso de Novo Testamento, desenvolvendo pesquisas na área de Bíblia e literatura cristã primitiva canônica e não-canônica. Além disso, é também professor de Língua, Literatura, Contexto e Teologia do NT, e outras disciplinas na área de Bíblia e seu contexto histórico-literário, na Faculdade Teológica Cristã do Brasil (DF). © todos os direitos autorais desta obra devem ser preservados.
[2]Este texto foi redigido com base quase que exclusiva da magna obra de Vielhauer:Vielhauer,Phillip.História da literatura cristã primtiva.Academia Cristã: São Paulo, com revisão de Denes Izidro;Köester,Helmut.Introdução ao novo testamento – História e literatura do cristianismo primitivo.Paulus:São Paulo.
[3] A excelente definição sintética de Köester sobre o Didaquê deve ser considerada: “..Didaqué, o mais antigo compêndio subsistente de diretrizes da Igreja cristã, composto em algum momento ao longo do século II, mas incluindo materiais preciosos do século I, muito provavelmente das primeiras igrejas da Síria. Apesar de conhecida pelo nome e frequentemente adotada em instruções posteriores da Igreja cristã, a Didaqué só foi descoberta no Códice Hierosolimitano do século X e publicada em 1883...Ela é uma compilação de vários materiais antigos;..”Köester, Helmut. Introdução ao novo testamento – História e literatura do cristianismo primitivo.Vol.2.pg.174.
[4] Did.3.5: “5Filho, não seja mentiroso pois a mentira leva ao roubo.”
Did.4.9: “9Não se descuide de seu filho ou filha. Muito pelo contrário, desde a infância instrua-os a temer a Deus.”
[5] Did.6: “1Fique atento para que ninguém o afaste do caminho da instrução, pois quem faz isso ensina coisas que não pertencem a Deus.2Você será perfeito se conseguir carregar todo o jugo do Senhor. Se isso não for possível, faça o que puder. 3A respeito da comida, observe o que puder. Não coma nada do que é sacrificado aos ídolos pois esse culto é destinado a deuses mortos.”
[6] Did.7: “1Quanto ao batismo, faça assim: depois de ditas todas essas coisas, batize em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.2Se você não tiver água corrente, batize em outra água. Se não puder batizar com água fria, faça com água quente.3Na falta de uma ou outra, derrame água três vezes sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. 4Antes de batizar, tanto aquele que batiza como o batizando, bem como aqueles que puderem, devem observar o jejum. Você deve ordenar ao batizando um jejum de um ou dois dias.”
[7] Did.9.5: “5Que ninguém coma nem beba da Eucaristia sem antes ter sido batizado em nome do Senhor pois sobre isso o Senhor disse: "Não dêem as coisas santas aos cães".”
[8] Did.11: “1Se vier alguém até você e ensinar tudo o que foi dito anteriormente, deve ser acolhido.2Mas se aquele que ensina é perverso e ensinar outra doutrina para te destruir, não lhe dê atenção. No entanto, se ele ensina para estabelecer a justiça e conhecimento do Senhor, você deve acolhê-lo como se fosse o Senhor. 3Já quanto aos apóstolos e profetas, faça conforme o princípio do Evangelho. 4Todo apóstolo que vem até você deve ser recebido como o próprio Senhor. 5Ele não deve ficar mais que um dia ou, se necessário, mais outro. Se ficar três dias é um falso profeta. 6Ao partir, o apóstolo não deve levar nada a não ser o pão necessário para chegar ao lugar onde deve parar. Se pedir dinheiro é um falso profeta. 7Não ponha à prova nem julgue um profeta que fala tudo sob inspiração, pois todo pecado será perdoado, mas esse não será perdoado. 8Nem todo aquele que fala inspirado é profeta, a não ser que viva como o Senhor. É desse modo que você reconhece o falso e o verdadeiro profeta.9Todo profeta que, sob inspiração, manda preparar a mesa não deve comer dela. Caso contrário, é um falso profeta.10Todo profeta que ensina a verdade mas não pratica o que ensina é um falso profeta. 11Todo profeta comprovado e verdadeiro, que age pelo mistério terreno da Igreja, mas que não ensina a fazer como ele faz não deverá ser julgado por você; ele será julgado por Deus. Assim fizeram também os antigos profetas.12Se alguém disser sob inspiração: "Dê-me dinheiro" ou qualquer outra coisa, não o escutem. Porém, se ele pedir para dar a outros necessitados, então ninguém o julgue.
Did.12: “1Acolha toda aquele que vier em nome do Senhor. Depois, examine para conhecê-lo, pois você tem discernimento para distinguir a esquerda da direita. 2Se o hóspede estiver de passagem, dê-lhe ajuda no que puder. Entretanto, ele não deve permanecer com você mais que dois ou três dias, se necessário. 3Se quiser se estabelecer e tiver uma profissão, então que trabalhe para se sustentar. 4Porém, se ele não tiver profissão, proceda de acordo com a prudência, para que um cristão não viva ociosamente em seu meio. 5Se ele não aceitar isso, trata-se de um comerciante de Cristo. Tenha cuidado com essa gente!”
[9] Contudo, na reprodução da Did pela Constituição Eclesiástica Apostólica a origem apostólica é fortemente acentuada, e isso é feito de tal modo que se põem na boca de cada um dos apóstolos algumas frases de Did 1-4.
[10] Did.11.3-6: “3Já quanto aos apóstolos e profetas, faça conforme o princípio do Evangelho. 4Todo apóstolo que vem até você deve ser recebido como o próprio Senhor.5Ele não deve ficar mais que um dia ou, se necessário, mais outro. Se ficar três dias é um falso profeta. 6Ao partir, o apóstolo não deve levar nada a não ser o pão necessário para chegar ao lugar onde deve parar. Se pedir dinheiro é um falso profeta.”
[11] Esse tipo de “apostolicização literária” pode ser exemplifica pelos escritos de Hebreus e Barn, onde o endereço “Aos Hebreus”, no primeiro, tem a função de paulinizar o escrito, e o título “Carta de Barnabé” quer “catolicizar” a obra anônima; ambas as edições querem atestar a procedência apostólica a ambos os escritos.
[12] “1Quanto ao batismo, faça assim: depois de ditas todas essas coisas, batize em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.”
[13] “2Não reze como os hipócritas, mas como o Senhor ordenou em seu Evangelho. Reze assim: "Pai nosso que estás no céu, santificado seja o teu nome, venha o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão-nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai nossa dívida, assim como também perdoamos os nossos devedores e não nos deixes cair em tentação, mas livrai-nos do mal porque teu é o poder e a glória para sempre".3Rezem assim três vezes ao dia.”
FACULDADE TEOLÓGICA CRISTÃ DO BRASIL – F.T.C.B.
Literatura Cristã Primitiva
Denes Izidro, Professor ©[1]
HEGÉSIPO[2]
“Hypomnemata”
Tradição e Biografia
· Como no caso da obra de Papías, também dos cinco livros dos Hypomnemata de Hegésipo nos restaram apenas alguns fragmentos na forma de citações e referências, a maioria através de Eusébio[3] e uma através de Filipe Sidetes e outra de Estevão Gibaro.
· Embora se suponha que manuscritos de Hegésipo ainda haviam existido no séc.XVI, a obra parece ter desaparecido precocemente; pois até mesmo aquilo que Sozômeno e Jerônimo relatam a respeito dela não se baseia em leitura própria dos Hypomnemata, e, sim, nas notas em Eusébio.
· Eusébio o considera como integrante da geração que seguiu imediatamente aos apóstolos (II.23.3)[4] e afirma que ele teria sido um judeu convertido (IV.22.8)[5]. Isso é uma conclusão que Eusébio tira do fato de que Hegésipo usava o Evangelho dos Hebreus e o “Sírio”, citado em língua hebraica e fez referências a muitas coisas da tradição judaica oral;uma conclusão insustentável, face às informações aventureiras de Hegésipo sobre condições judaicas (Vielhauer,2005).
· Deve ser certo, porém, que ele é procedente do Oriente do Império. Origem, data de nascimento e morte são dados desconhecidos. De sua vida se sabe apenas duas coisas: que empreendeu uma viagem a Roma em questões da “ortodoxia” com uma parada em Corinto (H.E.IV.22.1-3) e que escreveu os Hypomnemata.
· É possível datar aproximadamente a viagem e a redação; conforme suas próprias informações, Hegésipo esteve em Roma na época do bispo Aniceto (ca.154-166;H.E.IV.22.3); e como menciona, na mesma passagem, seu sucessor Eleutério, os Hypomnemata devem ter sido concluídos durante o pontificado deste (ca.174-189);por isso se data a viagem aproximadamente para o ano 160 e a conclusão da obra para o ano 180 aproximadamente, e há motivo para supor que Hegésipo não os escreveu em Roma, e, sim, em sua pátria.
Caráter Literário
A exemplo de Papías, Hegésipo teve certas ambições literárias. Visto, porém, que os fragmentos são insignificantes, que não consta entre eles um proêmio – diferente do caso de Papías – e a designação Hypomnemata é controvertida segundo o sentido e significado do teor (título ou característica literária?), a pergunta pelo caráter literário e da posição histórico-literária ainda não encontrou uma resposta satisfatória.
Pertence essa obra a um dos conhecidos gêneros literários greco-romanos ou patrísticos ou deve ela ser enquadrada na “literatura cristã primitiva” ou à transição desta para a literatura patrística (Overbeck)?
O problema do gênero não pode ser resolvido a partir da designação Hypomnemata, não importando se a compreendermos como título ou caracterização literária. O mais provável é que seja apenas um título, assim como certamente o próprio Hegésipo e Eusébio a designaram dessa forma. Além disso, o sentido da palavra u(pomnh/mata é “anotações, notas, tratados”. No emprego literário a palavra é rigorosamente diferenciada de a)pomnhmoneu/mata, isto é, “Memórias”, gênero literário reservado aos mestres da filosofia. Por isso, é melhor não traduzir u(pomnh/mata por “Memórias”, e sim por “anotações ou tratados”. Os livros denominados de u(pomnh/mata podem tratar os temas mais variados e pertencem aos mais diversos gêneros literários. O termo literário u(pomnh/mata, portanto, não designa um gênero literário e indica, em sua amplitude indefinida, como em sua tradução “anotações, tratados”, apenas que a obra é ou quer ser um produto literário.
Em virtude da compreensão errônea do título u(pomnh/mata como “Memórias” e também dos fragmentos preservados, estava convencido, por longo tempo, que essa era uma obra de História, uma espécie de História Eclesiástica do cristianismo desde os começos até os tempos de Hegésipo. Essa concepção antiga remonta até Jerônimo, mas já foi refutada por Overbeck e antes dele por C.A.Kestner e outros, de modo que pode ser considerada como caso encerrado.
Seria bastante estranho para uma obra histórica, na qual se espera uma exposição cronológica, o fato de que a morte de Tiago, irmão de Jesus, é narrada no quinto, ou seja, no último livro (H.E.II.23.3).[6] Além do mais, isso contradiria a informação de Eusébio de que teria tido antecessores na historiografia eclesiástica. Eusébio também caracteriza a obra de Hegésipo não como historiografia: “Em cinco livros ele preservou a tradição infalível da proclamação apostólica e uma exposição escrita bem singela” (H.E.IV. 8.2); “Nos cinco u(pomnh/mata Hegésipo nos deixou um monumento bem completo de seu próprio modo de ensinar (grifo meu)” (IV.22.1).
A classificação de Eusébio não aponta para uma obra historiográfica, e, sim, para uma obra doutrinária: “Hegésipo registra nela as tradições, as quais ele se havia proposto colecionar para testemunho do estado das tradições de seu tempo” (Overbeck). A classificação dos Hypomnemata como Apologia também não pode ser sustentada: Dentre outras coisas, Eusébio enquadra Hegésipo e seu escrito na luta contra as heresias ímpias, e os distingue claramente de Justino e sua Apologia a Antonino, mencionada logo em seguida (H.E.IV. 7.15-8.2; 8.3ss).
Os u(pomnh/mata, portanto, não são nem uma História Eclesiástica nem uma Apologia, e,sim, quanto ao conteúdo, uma obra para garantir a tradição apostólica perante os hereges. Há a tentação de coloca-la em paralelo à obra de combate aos hereges de Irineu, aproximadamente contemporâneo, enquadrando-a na literatura patrística anti-herética;contudo, parece que sua exposição e refutação das heresias não foram seu objetivo, mas apenas a consolidação da tradição no seio da igreja em face do perigo herético.
Essa obra de Hegésipo não se enquadra em nenhum dos tipos conhecidos da literatura patrística;mas também em nenhum dos tipos conhecidos da literatura cristã primitiva. O problema do caráter literário e da posição histórico-literária dos u(pomnh/mata é, portanto, semelhante ao das “Exegeses” de Papías: Ambos são obras sui generis; “rubrica-las literarariamente causa embaraço” (Overbeck). No entanto, assemelham-se com a literatura cristã primitiva, a qual vivia de raízes cristãs e dos interesses próprios da comunidade cristã, ainda fechados contra elementos estranhos (Overbeck). Assim os u(pomnh/mata se erguem como fóssil da literatura cristã primitiva.
Hegésipo parece ter sido, tanto do ponto de vista histórico-literário quanto histórico-teológico, uma figura de transição. Sua importância, então, não residiu no pensamento teológico, mas na atuação político-eclesiástica contra a heresia e a favor da ortodoxia.
Caráter Histórico-Teológico
À Semelhança de Papías, Hegésipo fora um combatente das heresias, não obstante ser o primeiro um bispo e Hegésipo apenas um escritor cristão. Ambos lutam contra a gnose, e isso numa época na qual ainda não existiam instituições ou documentos de reconhecimento geral – constituição da comunidade, episcopado monárquico, regra de fé e cânon ainda estavam em formação. Papías e Hegésipo estão interessados numa averiguação da tradição autêntica, o primeiro da tradição jesuína confiável, o segundo, porém – e aqui há a diferença de uma geração – da tradição infalível da proclamação apostólica. Nesse empreendimento, ambos dependem da “viva voz” da transmissão e recepção oral, e estão empenhados, assim como os gnósticos combatidos, em demonstrar através de uma corrente de tradentes (transmissores da tradição), que suas concepções remontam aos primórdios do cristianismo – às buscas de informações de Papías nos “anciãos” corresponde, em Hegésipo, a viagem ao oriente, a Corinto e Roma.
Contudo, Hegésipo manifesta uma nova concepção da idéia da tradição: A corrente de tradentes não consiste mais, como em Papías e nos gnósticos, em séries de mestre-discípulos que remontam até o círculo dos discípulos diretos de Jesus, mas na sucessão de bispos monárquicos ortodoxos, a qual garante a pureza da doutrina por meio de uma corrente ininterrupta. Essa nova forma traditiva que vincula a concepção da tradição à sucessão dos bispos monárquicos (“Tradição Ortodoxa Episcopal”) remedia a debilidade do empreendimento de Papías e dos gnósticos que se haveria de tornar progressivamente impossível com o decorrer do tempo. Por isso, não se trata mais, em primeiro lugar, da garantia da autêntica tradição jesuína, mas sim da garantia da reta doutrina (ortodoxia), na qual, na verdade, aquela está incluída. Por isso, a viagem teológica de Hegésipo não tem por alvo os sítios da história sagrada, mas sim as cidades mais importantes da atualidade, nas quais reinava a ortodoxia e o objetivo consiste em constatar a concordância da fé cristã nessas igrejas e consolida-la para a luta anti-herética, um objetivo para o qual também serviu a edição dos u(pomnh/mata.
Hegésipo menciona como autoridades somente “a Lei e os Profetas e o Senhor”, não, porém, os apóstolos, embora naquele tempo o apóstolo Paulo fosse reconhecido em Corinto e Roma. Parece tratar-se de uma consciente exclusão de Paulo, como, dentre outras coisas, o demonstra a polêmica de Hegésipo contra ICo.2.9: “Pois o que está preparado para os justos nenhum olho viu e nenhum ouvido ouviu, nem entrou em coração humano. Hegésipo, porém, um homem velho e apostólico, diz no quinto livro de seus Hypomnemata – não sei porque razão – ‘que isso estaria expresso de forma errada e que mentem os que fazem uso dessa palavra, porque as Escrituras divinas e o Senhor dizem:Bem-aventurados os olhos de vocês que vêem, e seus ouvidos que ouvem,etc.”[7] Hegésipo defende uma concepção canônica bem mais antiga do que as comunidades por ele visitadas.
[1] Denes Izidro é Pastor evangélico e estudioso de Novo Testamento, desenvolvendo pesquisas na área de Bíblia e literatura cristã primitiva canônica e não-canônica. Além disso, é também professor de Língua, Literatura, Contexto e Teologia do NT, e outras disciplinas na área de Bíblia e seu contexto histórico-literário, na Faculdade Teológica Cristã do Brasil (DF).© todos os direitos autorais desta obra devem ser preservados.
[2]Este texto foi redigido com base quase que exclusiva da magna obra de Vielhauer:Vielhauer,Phillip.História da literatura cristã primtiva.Academia Cristã: São Paulo, com revisão de Denes Izidro; As citações de Eusébio referidas neste texto são feitas com base na obra: Eusébio de Cesaréia.História Eclesiástica.Novo Século:São Paulo.
[3] H.E.II.23.3-18;III.20.1-6;IV.8.1ss;22.
[4] II.23.3: “O modo como ocorreu a morte de Tiago já foi esclarecido pelas palavras citadas de Clemente, que conta como o lançaram do pináculo do templo e espancaram-no até mata-lo. Mas quem conta com maior exatidão o que a ele se refere é Hegésipo, que pertence à primeira geração sucessora dos apóstolos e que no livro V de suas Memórias diz assim..”
[5] IV.22.8: “Escreveu [Hegésipo] também muitas outras coisas, das quais fizemos menção anteriormente, em parte, ao dispor as narrativas conforme as circunstâncias. Põe algumas coisas tomadas do Evangelho dos hebreus e do Siriaco, e em particular tomadas da língua hebraica, mostrando assim que se fez crente sendo hebreu. E não apenas isto mas também menciona outras coisas procedentes de uma tradição judia não escrita.”
[6] Cf.nota 4, neste texto.
[7] Estevão Gobaro,fragm.10.
Literatura Cristã Primitiva
Denes Izidro, Professor ©[1]
HEGÉSIPO[2]
“Hypomnemata”
Tradição e Biografia
· Como no caso da obra de Papías, também dos cinco livros dos Hypomnemata de Hegésipo nos restaram apenas alguns fragmentos na forma de citações e referências, a maioria através de Eusébio[3] e uma através de Filipe Sidetes e outra de Estevão Gibaro.
· Embora se suponha que manuscritos de Hegésipo ainda haviam existido no séc.XVI, a obra parece ter desaparecido precocemente; pois até mesmo aquilo que Sozômeno e Jerônimo relatam a respeito dela não se baseia em leitura própria dos Hypomnemata, e, sim, nas notas em Eusébio.
· Eusébio o considera como integrante da geração que seguiu imediatamente aos apóstolos (II.23.3)[4] e afirma que ele teria sido um judeu convertido (IV.22.8)[5]. Isso é uma conclusão que Eusébio tira do fato de que Hegésipo usava o Evangelho dos Hebreus e o “Sírio”, citado em língua hebraica e fez referências a muitas coisas da tradição judaica oral;uma conclusão insustentável, face às informações aventureiras de Hegésipo sobre condições judaicas (Vielhauer,2005).
· Deve ser certo, porém, que ele é procedente do Oriente do Império. Origem, data de nascimento e morte são dados desconhecidos. De sua vida se sabe apenas duas coisas: que empreendeu uma viagem a Roma em questões da “ortodoxia” com uma parada em Corinto (H.E.IV.22.1-3) e que escreveu os Hypomnemata.
· É possível datar aproximadamente a viagem e a redação; conforme suas próprias informações, Hegésipo esteve em Roma na época do bispo Aniceto (ca.154-166;H.E.IV.22.3); e como menciona, na mesma passagem, seu sucessor Eleutério, os Hypomnemata devem ter sido concluídos durante o pontificado deste (ca.174-189);por isso se data a viagem aproximadamente para o ano 160 e a conclusão da obra para o ano 180 aproximadamente, e há motivo para supor que Hegésipo não os escreveu em Roma, e, sim, em sua pátria.
Caráter Literário
A exemplo de Papías, Hegésipo teve certas ambições literárias. Visto, porém, que os fragmentos são insignificantes, que não consta entre eles um proêmio – diferente do caso de Papías – e a designação Hypomnemata é controvertida segundo o sentido e significado do teor (título ou característica literária?), a pergunta pelo caráter literário e da posição histórico-literária ainda não encontrou uma resposta satisfatória.
Pertence essa obra a um dos conhecidos gêneros literários greco-romanos ou patrísticos ou deve ela ser enquadrada na “literatura cristã primitiva” ou à transição desta para a literatura patrística (Overbeck)?
O problema do gênero não pode ser resolvido a partir da designação Hypomnemata, não importando se a compreendermos como título ou caracterização literária. O mais provável é que seja apenas um título, assim como certamente o próprio Hegésipo e Eusébio a designaram dessa forma. Além disso, o sentido da palavra u(pomnh/mata é “anotações, notas, tratados”. No emprego literário a palavra é rigorosamente diferenciada de a)pomnhmoneu/mata, isto é, “Memórias”, gênero literário reservado aos mestres da filosofia. Por isso, é melhor não traduzir u(pomnh/mata por “Memórias”, e sim por “anotações ou tratados”. Os livros denominados de u(pomnh/mata podem tratar os temas mais variados e pertencem aos mais diversos gêneros literários. O termo literário u(pomnh/mata, portanto, não designa um gênero literário e indica, em sua amplitude indefinida, como em sua tradução “anotações, tratados”, apenas que a obra é ou quer ser um produto literário.
Em virtude da compreensão errônea do título u(pomnh/mata como “Memórias” e também dos fragmentos preservados, estava convencido, por longo tempo, que essa era uma obra de História, uma espécie de História Eclesiástica do cristianismo desde os começos até os tempos de Hegésipo. Essa concepção antiga remonta até Jerônimo, mas já foi refutada por Overbeck e antes dele por C.A.Kestner e outros, de modo que pode ser considerada como caso encerrado.
Seria bastante estranho para uma obra histórica, na qual se espera uma exposição cronológica, o fato de que a morte de Tiago, irmão de Jesus, é narrada no quinto, ou seja, no último livro (H.E.II.23.3).[6] Além do mais, isso contradiria a informação de Eusébio de que teria tido antecessores na historiografia eclesiástica. Eusébio também caracteriza a obra de Hegésipo não como historiografia: “Em cinco livros ele preservou a tradição infalível da proclamação apostólica e uma exposição escrita bem singela” (H.E.IV. 8.2); “Nos cinco u(pomnh/mata Hegésipo nos deixou um monumento bem completo de seu próprio modo de ensinar (grifo meu)” (IV.22.1).
A classificação de Eusébio não aponta para uma obra historiográfica, e, sim, para uma obra doutrinária: “Hegésipo registra nela as tradições, as quais ele se havia proposto colecionar para testemunho do estado das tradições de seu tempo” (Overbeck). A classificação dos Hypomnemata como Apologia também não pode ser sustentada: Dentre outras coisas, Eusébio enquadra Hegésipo e seu escrito na luta contra as heresias ímpias, e os distingue claramente de Justino e sua Apologia a Antonino, mencionada logo em seguida (H.E.IV. 7.15-8.2; 8.3ss).
Os u(pomnh/mata, portanto, não são nem uma História Eclesiástica nem uma Apologia, e,sim, quanto ao conteúdo, uma obra para garantir a tradição apostólica perante os hereges. Há a tentação de coloca-la em paralelo à obra de combate aos hereges de Irineu, aproximadamente contemporâneo, enquadrando-a na literatura patrística anti-herética;contudo, parece que sua exposição e refutação das heresias não foram seu objetivo, mas apenas a consolidação da tradição no seio da igreja em face do perigo herético.
Essa obra de Hegésipo não se enquadra em nenhum dos tipos conhecidos da literatura patrística;mas também em nenhum dos tipos conhecidos da literatura cristã primitiva. O problema do caráter literário e da posição histórico-literária dos u(pomnh/mata é, portanto, semelhante ao das “Exegeses” de Papías: Ambos são obras sui generis; “rubrica-las literarariamente causa embaraço” (Overbeck). No entanto, assemelham-se com a literatura cristã primitiva, a qual vivia de raízes cristãs e dos interesses próprios da comunidade cristã, ainda fechados contra elementos estranhos (Overbeck). Assim os u(pomnh/mata se erguem como fóssil da literatura cristã primitiva.
Hegésipo parece ter sido, tanto do ponto de vista histórico-literário quanto histórico-teológico, uma figura de transição. Sua importância, então, não residiu no pensamento teológico, mas na atuação político-eclesiástica contra a heresia e a favor da ortodoxia.
Caráter Histórico-Teológico
À Semelhança de Papías, Hegésipo fora um combatente das heresias, não obstante ser o primeiro um bispo e Hegésipo apenas um escritor cristão. Ambos lutam contra a gnose, e isso numa época na qual ainda não existiam instituições ou documentos de reconhecimento geral – constituição da comunidade, episcopado monárquico, regra de fé e cânon ainda estavam em formação. Papías e Hegésipo estão interessados numa averiguação da tradição autêntica, o primeiro da tradição jesuína confiável, o segundo, porém – e aqui há a diferença de uma geração – da tradição infalível da proclamação apostólica. Nesse empreendimento, ambos dependem da “viva voz” da transmissão e recepção oral, e estão empenhados, assim como os gnósticos combatidos, em demonstrar através de uma corrente de tradentes (transmissores da tradição), que suas concepções remontam aos primórdios do cristianismo – às buscas de informações de Papías nos “anciãos” corresponde, em Hegésipo, a viagem ao oriente, a Corinto e Roma.
Contudo, Hegésipo manifesta uma nova concepção da idéia da tradição: A corrente de tradentes não consiste mais, como em Papías e nos gnósticos, em séries de mestre-discípulos que remontam até o círculo dos discípulos diretos de Jesus, mas na sucessão de bispos monárquicos ortodoxos, a qual garante a pureza da doutrina por meio de uma corrente ininterrupta. Essa nova forma traditiva que vincula a concepção da tradição à sucessão dos bispos monárquicos (“Tradição Ortodoxa Episcopal”) remedia a debilidade do empreendimento de Papías e dos gnósticos que se haveria de tornar progressivamente impossível com o decorrer do tempo. Por isso, não se trata mais, em primeiro lugar, da garantia da autêntica tradição jesuína, mas sim da garantia da reta doutrina (ortodoxia), na qual, na verdade, aquela está incluída. Por isso, a viagem teológica de Hegésipo não tem por alvo os sítios da história sagrada, mas sim as cidades mais importantes da atualidade, nas quais reinava a ortodoxia e o objetivo consiste em constatar a concordância da fé cristã nessas igrejas e consolida-la para a luta anti-herética, um objetivo para o qual também serviu a edição dos u(pomnh/mata.
Hegésipo menciona como autoridades somente “a Lei e os Profetas e o Senhor”, não, porém, os apóstolos, embora naquele tempo o apóstolo Paulo fosse reconhecido em Corinto e Roma. Parece tratar-se de uma consciente exclusão de Paulo, como, dentre outras coisas, o demonstra a polêmica de Hegésipo contra ICo.2.9: “Pois o que está preparado para os justos nenhum olho viu e nenhum ouvido ouviu, nem entrou em coração humano. Hegésipo, porém, um homem velho e apostólico, diz no quinto livro de seus Hypomnemata – não sei porque razão – ‘que isso estaria expresso de forma errada e que mentem os que fazem uso dessa palavra, porque as Escrituras divinas e o Senhor dizem:Bem-aventurados os olhos de vocês que vêem, e seus ouvidos que ouvem,etc.”[7] Hegésipo defende uma concepção canônica bem mais antiga do que as comunidades por ele visitadas.
[1] Denes Izidro é Pastor evangélico e estudioso de Novo Testamento, desenvolvendo pesquisas na área de Bíblia e literatura cristã primitiva canônica e não-canônica. Além disso, é também professor de Língua, Literatura, Contexto e Teologia do NT, e outras disciplinas na área de Bíblia e seu contexto histórico-literário, na Faculdade Teológica Cristã do Brasil (DF).© todos os direitos autorais desta obra devem ser preservados.
[2]Este texto foi redigido com base quase que exclusiva da magna obra de Vielhauer:Vielhauer,Phillip.História da literatura cristã primtiva.Academia Cristã: São Paulo, com revisão de Denes Izidro; As citações de Eusébio referidas neste texto são feitas com base na obra: Eusébio de Cesaréia.História Eclesiástica.Novo Século:São Paulo.
[3] H.E.II.23.3-18;III.20.1-6;IV.8.1ss;22.
[4] II.23.3: “O modo como ocorreu a morte de Tiago já foi esclarecido pelas palavras citadas de Clemente, que conta como o lançaram do pináculo do templo e espancaram-no até mata-lo. Mas quem conta com maior exatidão o que a ele se refere é Hegésipo, que pertence à primeira geração sucessora dos apóstolos e que no livro V de suas Memórias diz assim..”
[5] IV.22.8: “Escreveu [Hegésipo] também muitas outras coisas, das quais fizemos menção anteriormente, em parte, ao dispor as narrativas conforme as circunstâncias. Põe algumas coisas tomadas do Evangelho dos hebreus e do Siriaco, e em particular tomadas da língua hebraica, mostrando assim que se fez crente sendo hebreu. E não apenas isto mas também menciona outras coisas procedentes de uma tradição judia não escrita.”
[6] Cf.nota 4, neste texto.
[7] Estevão Gobaro,fragm.10.
FACULDADE TEOLÓGICA CRISTÃ DO BRASIL – F.T.C.B.
Literatura Cristã Primitiva
Denes Izidro, Professor ©[1]
PAPÍAS DE HIERÁPOLIS[2]
“Exegese dos Ditos do Senhor” [3]
Tradição
· O que veio até nós dos cinco livros de Papías sob o título “Exegese dos Ditos do Senhor” não passa de algumas citações e recensões em Irineu, Eusébio,em autores eclesiásticos posteriores e em coleções de interpretações bíblicas de autores antigos.
· As informações biográficas são ainda mais escassas, e duas de suas testemunhas principais se contradizem em um ponto importante.
· A fragmentariedade de toda a tradição de Papías deu motivo para infinitas discussões, como por exemplo, as notas sobre Marcos e Mateus e falta destas sobre Lucas e João e a relação entre Papías e João, apóstolo. Questões sobre o volume, forma literária e teologia da obra de Papías também foram levantadas.
· Da vida de Papías o que se sabe com certeza é que ele fora bispo da igreja de Hierápolis, na Frigia, amigo de Policarpo e autor da “Exegese dos Ditos do Senhor”. O mais permanece incerto, especialmente dados relacionados à cronologia da vida de Papías.
· Existe um dissenso entre Irineu e Eusébio sobre se Papías fora discípulo do apóstolo João ou não – o primeiro pensa que sim, mas o segundo defende que não.[4] Do ajuizamente desse dissenso depende a cronologia de Papías: Se Papías, conforme Irineu, foi discípulo de João, então pode ter nascido entre 60-70 d.C.; mas se Eusébio estiver certo sobre a negação disso, então ele pode ter nascido cerca de 80 d.C. Quanto ao seu falecimento as datas também oscilam muito. Uma cronologia hipotética para a vida de Papías seria de 70 até 140 d.C.
Caráter Literário da Obra de Papías
A obra de Papias sobre a “Exegese dos Ditos do Senhor”, em cinco volumes, cuja data varia entre 90 e 140 d.C., indica que ele pretendia de fato escrever uma obra literária. Mas que forma literária tinha essa sua “interpretação” em cinco volumes? Estaria Papías acompanhando a literatura exegética do judaísmo palestinense ou a do judaísmo helenista? Ou a dos gregos e romanos? Ou teria ele escrito a primeira obra da literatura exegética patrística? Uma resposta direta não é possível sobre isso.
Inicialmente é preciso perguntar pelo objeto da interpretação de Papías, isto é, pelo que se quer dizer com “os Ditos do Senhor” (logi/a kuriaka/). Esta designa não apenas as palavras, mas também os feitos de Jesus. De acordo com isso se deverá entender os logi/a kuriaka como designação da tradição jesuína em seu todo. Essa terminologia fala, de antemão, contra todas as tentativas de restringir o objeto da interpretação de Pápias aos ditos de Jesus.
É inegável que Papías coloca a tradição oral muito acima da tradição escrita, e que está convencido de poder conseguir, por meio de investigações próprias, mais informações e, sobretudo, informações mais confiáveis sobre Jesus do que isso seria possível por meio de livros.[5] Sem dúvida, Papías também restringe consideravelmente o valor dos Evangelhos, de modo que o objeto de sua “exegese” não pode ter sido um Evangelho-Livro, mas um Evangelho-Oral.
O que quer que seja o que recolheu de matéria de fontes literárias, de nossos Evangelhos e outros registros sobre Jesus, seus cinco livros, “Exegese dos Ditos do Senhor”, não eram um comentário de algum Evangelho do tipo dos posteriores comentários patrísticos, pois não dispunha ainda da autoridade exclusiva da tradição fixada por escrito em relação à tradição oral e um cânon de Evangelhos encerrado (Vielhauer,2005).
O livro de Papías era uma coleção comentada de informações da mais variada procedência sobre ditos e feitos de Jesus e se propunha a rever a tradição jesuína com relação a sua antenticidade e garantir sua compreensão correta por meio de interpretação.
Por causa do estado em que se encontram os fragmentos, não podemos dizer nada sobre o modo como Papías faz exegese e como concebeu sua obra. Não obstante, pode-se deduzir dos fragmentos existentes que Papías não compartilha nem do método de exegese patrístico posterior, nem do da literatura exegética judaica ou greco-romana contemporânea: Na verdade, a “Exegese dos Ditos do Senhor” de Papías não pode ser enquadrada em nenhum dos conhecidos gêneros literários contemporâneos do judaísmo ou do helenismo, ou da literatura patrística, contudo já revela a transição para a literatura cristã propriamente dita.
Segundo Overbeck, “Pápias é indubitavelmente um escritor da Igreja Antiga, conquanto sua obra tinha a destinação universal para o público cristão de seu tempo, com a qual pisamos, em princípio, no mundo da literatura...Ele aparece..como um precursor do eruditismo cristão ou da teologia cristã que, com os recursos de um tratamento literário de um problema eclesiástico de seu tempo, se propõe a estabelecer e ampliar a compreensão segura de seu patrimônio de ditos de Cristo”.[6]
Objetivo e Método de Pápias
· A intenção de Papías é garantir uma tradição jesuína autêntica por meio de interpretação. Esse objetivo de Papías é polêmico, isto é, Anti-herético, mais precisamente anti-gnóstico.
· A “Exegese” de Papías não foi motivada em primeiro lugar pela proliferação da tradição jesuína, mas sim pelo fato de que gnósticos cristãos estavam produzindo novos Evangelhos e apropriando-se de Evangelhos já existentes e assim fazendo propaganda de suas idéias por meio de uma literatura interpretativa volumosa. Lucas já havia sido revisado por Marcião, João era muito usado entre os valentinianos e Basílides escreveu um comentário do Evangelho em 24 livros (H.E.IV.VII.7). É contra literaturas gnósticas como esta que se dirige a obra de Papías.
· Para alcançar o seu objetivo, Papías recorre quase exclusivamente à tradição oral a respeito de Jesus, revisa-a e interpreta-a. Mas também usa documentos literários: 1 Pedro, sob a autoridade de Pedro, a antignóstica I João, o Apocalipse e o EvHb (H.E.III.XXXIX.17);[7] não faz uso das cartas paulinas nem de Lucas e João, devido o prestígio destes escritos entre os hereges. Da tradição jesuína literária reconheceu apenas, fora EvHb, Marcos e Mateus, e isso com cautela e reserva, pois esses também eram usados por hereges.
· Tradição jesuína autêntica é para Papías aquela que, por meio de uma corrente traditiva, remonta ao círculo dos discípulos pessoais de Jesus, ou que pode ser redescoberta nesse círculo. Papías caracteriza esse círculo pela menção de sete nomes do colégio dos doze e por Aristião e o “ancião” João.
· É preciso observar que Papías não consolida essa corrente traditiva por meio de uma sucessão de cargos eclesiásticos e que ele tem que examinar as palavras dos anciãos das quais tomou conhecimento. O critério do que é tradição autêntica e com isso também o critério para a interpretação é, em última análise, questão de gosto subjetivo de Papías (Vielhauer,2005).
· Apesar de certo sucesso, a posição teológica de Papías foi embaraçosa já em seu tempo, se não superada historicamente. Na verdade, seu empenho pelo estabelecimento de correntes traditivas orais ainda repercutiu em Hegésipo e Irineu, no entanto, fortemente modificado. Um elo de ligação objetivo, ainda que não temporal, entre Papías e Irineu é Hegésipo, aproximadamente contemporâneo de Irineu.
· Alguns excertos de fragmentos de Papías são bastante interessantes.[8]
[1] Denes Izidro é Pastor evangélico e estudioso de Novo Testamento, desenvolvendo pesquisas na área de Bíblia e literatura cristã primitiva canônica e não-canônica. Além disso, é também professor de Língua, Literatura, Contexto e Teologia do NT, e outras disciplinas na área de Bíblia e seu contexto histórico-literário, na Faculdade Teológica Cristã do Brasil (DF). © todos os direitos autorais desta obra devem ser preservados.
[2]Vielhauer,Phillip.História da literatura cristã primtiva.Academia Cristã: São Paulo; Koester,Helmut.Introdução ao novo testamento – História e literatura do cristianismo primitivo.Paulus: São Paulo;VV.AA.Padres apostólicos.Paulus: São Paulo.
[3] O bispo Papías de Hierápolis, no início do II século d.C., coletou ditos de Jesus da tradição oral, inclusives lendas e revelações – infelizmente, apenas alguns fragmentos deles estão preservados hoje (Köester,2005).
[4] Inicialmente Eusébio aceitou a afirmação de que Papías teria sido ouvinte do apóstolo João, mais tarde, porém, a contestou energicamente, e o fez com base nas afirmações do próprio Papías: esse não teria ouvido o apóstolo, e, sim, o “ancião” João, e não teria conhecido nenhum apóstolo, mas apenas discípulos de apóstolos (H.E.III.XXXIX.2-7).
[5] H.E.III.XXXIX.3s: “Para ti, não hesitarei em acrescentar às minhas explicações aquilo que outrora ouvi muito bem dos presbíteros, cuja lembrança guardei muito bem, estando seguro de sua verdade. Realmente, não me comprazia - como faz a maioria - com os que falam muito, mas com os que ensinam a verdade. Também não me comprazia com os que recordam mandamentos alheios, mas com os que recordam os mandamentos dados pelo Senhor à fé, nascidos da própria verdade. Se, por acaso, acontecia de chegar algum dos que tinham seguido os presbíteros, eu me informava sobre a palavra dos presbíteros, isto é, o que tinham dito André, Pedro, Filipe, Tomé, Tiago, João, Mateus ou outro discípulo do Senhor. E também o que falam Aristão e João, o presbítero, discípulos do Senhor. Eu não achava que as coisas conhecidas pelos livros pudessem me auxiliar tanto quanto as coisas ouvidas através da palavra viva e permanente”.
[6] Overbeck,Geschichte der Literatur der alten Kirche,In:Vielhauer,Philipp.História da literature cristã primitive.Academia Cristã:São Paulo.pg.790.
[7] “O mesmo escritor utiliza testemunhos tomados da primeira carta de João, e igualmente da de Pedro, e expõe também outro relato de uma mulher acusada de muitos pecados ante o Senhor, que está contido no Evangelho dos Hebreus. Que conste também isto, além do que já havia exposto.”
[8] EXCERTOS DE PAPÍAS: “Fragmentos Citados por Irineu (Adv.Haer. V,33,1-5)
obs.: as palavras de Papias estão em itálico.
Quando também a criação, renovada e liberta, frutificar abundantemente todo tipo de alimento, graças ao orvalho do céu e à fertilidade da terra, da forma como recordam os anciãos que viram João, discípulo do Senhor, ouvindo-o da maneira como o Senhor ensinava a respeito desses tempos:
"Haverá dias em que nascerão vinhas que terão, cada uma, dez mil videiras; cada videira terá dez mil ramos; cada ramo terá mil galhos; cada galho terá dez mil cachos e cada cacho terá dez mil uvas e cada uva espremida renderá vinte e cinco metretes de vinho. E quando um dos santos pegar um dos cachos, o outro cacho gritará: 'pega-me porque sou o melhor e, por meu intermédio, bendize o Senhor'. Da mesma forma, um grão de trigo produzirá dez mil espigas e cada espiga dará dez mil grãos; cada grão dará dez libras de farinha branca e limpa. Também os outros frutos, sementes e ervas produzirão nessa mesma proporção. E todos os animais que se alimentam dos alimentos dessa terra se tornarão pacíficos e viverão em harmonia entre si, submetendo-se aos homens sem qualquer relutância."
Outras fontes: “Judas deixou um triste exemplo de impiedade neste mundo; seu corpo inchou de tal forma que ele não conseguiu passar por um caminho onde uma carruagem facilmente passava, de modo que foi esmagado pela carruagem e suas entranhas se derramaram.
(1) Maria, a mãe do Senhor; (2) Maria, a esposa de Cléofas ou Alfeu, que era mãe de Tiago, bispo e apóstolo, de Simão, de Tadeu e de um dos que se chamavam José; (3) Maria Salomé, esposa de Zebedeu, mãe de João, o evangelista, e Tiago; (4) e Maria Madalena. Estas quatro mulheres são encontradas no Evangelho. Tiago, Judas e José são filhos de uma tia do Senhor. Maria, mãe de Tiago, o menor, e José, esposa de Alfeu, era irmã de Maria, mãe do Senhor, e que João liga a Cléofas; eram irmãs por parte de pai, por parte da família do clã ou por outra ligação qualquer. Maria Salomé é chamada simplesmente por Salomé por causa de seu marido ou de seu vilarejo. Alguns afirmam que ela é a mesma pessoa que Maria de Cléofas, já que teria se casado duas vezes.”
Literatura Cristã Primitiva
Denes Izidro, Professor ©[1]
PAPÍAS DE HIERÁPOLIS[2]
“Exegese dos Ditos do Senhor” [3]
Tradição
· O que veio até nós dos cinco livros de Papías sob o título “Exegese dos Ditos do Senhor” não passa de algumas citações e recensões em Irineu, Eusébio,em autores eclesiásticos posteriores e em coleções de interpretações bíblicas de autores antigos.
· As informações biográficas são ainda mais escassas, e duas de suas testemunhas principais se contradizem em um ponto importante.
· A fragmentariedade de toda a tradição de Papías deu motivo para infinitas discussões, como por exemplo, as notas sobre Marcos e Mateus e falta destas sobre Lucas e João e a relação entre Papías e João, apóstolo. Questões sobre o volume, forma literária e teologia da obra de Papías também foram levantadas.
· Da vida de Papías o que se sabe com certeza é que ele fora bispo da igreja de Hierápolis, na Frigia, amigo de Policarpo e autor da “Exegese dos Ditos do Senhor”. O mais permanece incerto, especialmente dados relacionados à cronologia da vida de Papías.
· Existe um dissenso entre Irineu e Eusébio sobre se Papías fora discípulo do apóstolo João ou não – o primeiro pensa que sim, mas o segundo defende que não.[4] Do ajuizamente desse dissenso depende a cronologia de Papías: Se Papías, conforme Irineu, foi discípulo de João, então pode ter nascido entre 60-70 d.C.; mas se Eusébio estiver certo sobre a negação disso, então ele pode ter nascido cerca de 80 d.C. Quanto ao seu falecimento as datas também oscilam muito. Uma cronologia hipotética para a vida de Papías seria de 70 até 140 d.C.
Caráter Literário da Obra de Papías
A obra de Papias sobre a “Exegese dos Ditos do Senhor”, em cinco volumes, cuja data varia entre 90 e 140 d.C., indica que ele pretendia de fato escrever uma obra literária. Mas que forma literária tinha essa sua “interpretação” em cinco volumes? Estaria Papías acompanhando a literatura exegética do judaísmo palestinense ou a do judaísmo helenista? Ou a dos gregos e romanos? Ou teria ele escrito a primeira obra da literatura exegética patrística? Uma resposta direta não é possível sobre isso.
Inicialmente é preciso perguntar pelo objeto da interpretação de Papías, isto é, pelo que se quer dizer com “os Ditos do Senhor” (logi/a kuriaka/). Esta designa não apenas as palavras, mas também os feitos de Jesus. De acordo com isso se deverá entender os logi/a kuriaka como designação da tradição jesuína em seu todo. Essa terminologia fala, de antemão, contra todas as tentativas de restringir o objeto da interpretação de Pápias aos ditos de Jesus.
É inegável que Papías coloca a tradição oral muito acima da tradição escrita, e que está convencido de poder conseguir, por meio de investigações próprias, mais informações e, sobretudo, informações mais confiáveis sobre Jesus do que isso seria possível por meio de livros.[5] Sem dúvida, Papías também restringe consideravelmente o valor dos Evangelhos, de modo que o objeto de sua “exegese” não pode ter sido um Evangelho-Livro, mas um Evangelho-Oral.
O que quer que seja o que recolheu de matéria de fontes literárias, de nossos Evangelhos e outros registros sobre Jesus, seus cinco livros, “Exegese dos Ditos do Senhor”, não eram um comentário de algum Evangelho do tipo dos posteriores comentários patrísticos, pois não dispunha ainda da autoridade exclusiva da tradição fixada por escrito em relação à tradição oral e um cânon de Evangelhos encerrado (Vielhauer,2005).
O livro de Papías era uma coleção comentada de informações da mais variada procedência sobre ditos e feitos de Jesus e se propunha a rever a tradição jesuína com relação a sua antenticidade e garantir sua compreensão correta por meio de interpretação.
Por causa do estado em que se encontram os fragmentos, não podemos dizer nada sobre o modo como Papías faz exegese e como concebeu sua obra. Não obstante, pode-se deduzir dos fragmentos existentes que Papías não compartilha nem do método de exegese patrístico posterior, nem do da literatura exegética judaica ou greco-romana contemporânea: Na verdade, a “Exegese dos Ditos do Senhor” de Papías não pode ser enquadrada em nenhum dos conhecidos gêneros literários contemporâneos do judaísmo ou do helenismo, ou da literatura patrística, contudo já revela a transição para a literatura cristã propriamente dita.
Segundo Overbeck, “Pápias é indubitavelmente um escritor da Igreja Antiga, conquanto sua obra tinha a destinação universal para o público cristão de seu tempo, com a qual pisamos, em princípio, no mundo da literatura...Ele aparece..como um precursor do eruditismo cristão ou da teologia cristã que, com os recursos de um tratamento literário de um problema eclesiástico de seu tempo, se propõe a estabelecer e ampliar a compreensão segura de seu patrimônio de ditos de Cristo”.[6]
Objetivo e Método de Pápias
· A intenção de Papías é garantir uma tradição jesuína autêntica por meio de interpretação. Esse objetivo de Papías é polêmico, isto é, Anti-herético, mais precisamente anti-gnóstico.
· A “Exegese” de Papías não foi motivada em primeiro lugar pela proliferação da tradição jesuína, mas sim pelo fato de que gnósticos cristãos estavam produzindo novos Evangelhos e apropriando-se de Evangelhos já existentes e assim fazendo propaganda de suas idéias por meio de uma literatura interpretativa volumosa. Lucas já havia sido revisado por Marcião, João era muito usado entre os valentinianos e Basílides escreveu um comentário do Evangelho em 24 livros (H.E.IV.VII.7). É contra literaturas gnósticas como esta que se dirige a obra de Papías.
· Para alcançar o seu objetivo, Papías recorre quase exclusivamente à tradição oral a respeito de Jesus, revisa-a e interpreta-a. Mas também usa documentos literários: 1 Pedro, sob a autoridade de Pedro, a antignóstica I João, o Apocalipse e o EvHb (H.E.III.XXXIX.17);[7] não faz uso das cartas paulinas nem de Lucas e João, devido o prestígio destes escritos entre os hereges. Da tradição jesuína literária reconheceu apenas, fora EvHb, Marcos e Mateus, e isso com cautela e reserva, pois esses também eram usados por hereges.
· Tradição jesuína autêntica é para Papías aquela que, por meio de uma corrente traditiva, remonta ao círculo dos discípulos pessoais de Jesus, ou que pode ser redescoberta nesse círculo. Papías caracteriza esse círculo pela menção de sete nomes do colégio dos doze e por Aristião e o “ancião” João.
· É preciso observar que Papías não consolida essa corrente traditiva por meio de uma sucessão de cargos eclesiásticos e que ele tem que examinar as palavras dos anciãos das quais tomou conhecimento. O critério do que é tradição autêntica e com isso também o critério para a interpretação é, em última análise, questão de gosto subjetivo de Papías (Vielhauer,2005).
· Apesar de certo sucesso, a posição teológica de Papías foi embaraçosa já em seu tempo, se não superada historicamente. Na verdade, seu empenho pelo estabelecimento de correntes traditivas orais ainda repercutiu em Hegésipo e Irineu, no entanto, fortemente modificado. Um elo de ligação objetivo, ainda que não temporal, entre Papías e Irineu é Hegésipo, aproximadamente contemporâneo de Irineu.
· Alguns excertos de fragmentos de Papías são bastante interessantes.[8]
[1] Denes Izidro é Pastor evangélico e estudioso de Novo Testamento, desenvolvendo pesquisas na área de Bíblia e literatura cristã primitiva canônica e não-canônica. Além disso, é também professor de Língua, Literatura, Contexto e Teologia do NT, e outras disciplinas na área de Bíblia e seu contexto histórico-literário, na Faculdade Teológica Cristã do Brasil (DF). © todos os direitos autorais desta obra devem ser preservados.
[2]Vielhauer,Phillip.História da literatura cristã primtiva.Academia Cristã: São Paulo; Koester,Helmut.Introdução ao novo testamento – História e literatura do cristianismo primitivo.Paulus: São Paulo;VV.AA.Padres apostólicos.Paulus: São Paulo.
[3] O bispo Papías de Hierápolis, no início do II século d.C., coletou ditos de Jesus da tradição oral, inclusives lendas e revelações – infelizmente, apenas alguns fragmentos deles estão preservados hoje (Köester,2005).
[4] Inicialmente Eusébio aceitou a afirmação de que Papías teria sido ouvinte do apóstolo João, mais tarde, porém, a contestou energicamente, e o fez com base nas afirmações do próprio Papías: esse não teria ouvido o apóstolo, e, sim, o “ancião” João, e não teria conhecido nenhum apóstolo, mas apenas discípulos de apóstolos (H.E.III.XXXIX.2-7).
[5] H.E.III.XXXIX.3s: “Para ti, não hesitarei em acrescentar às minhas explicações aquilo que outrora ouvi muito bem dos presbíteros, cuja lembrança guardei muito bem, estando seguro de sua verdade. Realmente, não me comprazia - como faz a maioria - com os que falam muito, mas com os que ensinam a verdade. Também não me comprazia com os que recordam mandamentos alheios, mas com os que recordam os mandamentos dados pelo Senhor à fé, nascidos da própria verdade. Se, por acaso, acontecia de chegar algum dos que tinham seguido os presbíteros, eu me informava sobre a palavra dos presbíteros, isto é, o que tinham dito André, Pedro, Filipe, Tomé, Tiago, João, Mateus ou outro discípulo do Senhor. E também o que falam Aristão e João, o presbítero, discípulos do Senhor. Eu não achava que as coisas conhecidas pelos livros pudessem me auxiliar tanto quanto as coisas ouvidas através da palavra viva e permanente”.
[6] Overbeck,Geschichte der Literatur der alten Kirche,In:Vielhauer,Philipp.História da literature cristã primitive.Academia Cristã:São Paulo.pg.790.
[7] “O mesmo escritor utiliza testemunhos tomados da primeira carta de João, e igualmente da de Pedro, e expõe também outro relato de uma mulher acusada de muitos pecados ante o Senhor, que está contido no Evangelho dos Hebreus. Que conste também isto, além do que já havia exposto.”
[8] EXCERTOS DE PAPÍAS: “Fragmentos Citados por Irineu (Adv.Haer. V,33,1-5)
obs.: as palavras de Papias estão em itálico.
Quando também a criação, renovada e liberta, frutificar abundantemente todo tipo de alimento, graças ao orvalho do céu e à fertilidade da terra, da forma como recordam os anciãos que viram João, discípulo do Senhor, ouvindo-o da maneira como o Senhor ensinava a respeito desses tempos:
"Haverá dias em que nascerão vinhas que terão, cada uma, dez mil videiras; cada videira terá dez mil ramos; cada ramo terá mil galhos; cada galho terá dez mil cachos e cada cacho terá dez mil uvas e cada uva espremida renderá vinte e cinco metretes de vinho. E quando um dos santos pegar um dos cachos, o outro cacho gritará: 'pega-me porque sou o melhor e, por meu intermédio, bendize o Senhor'. Da mesma forma, um grão de trigo produzirá dez mil espigas e cada espiga dará dez mil grãos; cada grão dará dez libras de farinha branca e limpa. Também os outros frutos, sementes e ervas produzirão nessa mesma proporção. E todos os animais que se alimentam dos alimentos dessa terra se tornarão pacíficos e viverão em harmonia entre si, submetendo-se aos homens sem qualquer relutância."
Outras fontes: “Judas deixou um triste exemplo de impiedade neste mundo; seu corpo inchou de tal forma que ele não conseguiu passar por um caminho onde uma carruagem facilmente passava, de modo que foi esmagado pela carruagem e suas entranhas se derramaram.
(1) Maria, a mãe do Senhor; (2) Maria, a esposa de Cléofas ou Alfeu, que era mãe de Tiago, bispo e apóstolo, de Simão, de Tadeu e de um dos que se chamavam José; (3) Maria Salomé, esposa de Zebedeu, mãe de João, o evangelista, e Tiago; (4) e Maria Madalena. Estas quatro mulheres são encontradas no Evangelho. Tiago, Judas e José são filhos de uma tia do Senhor. Maria, mãe de Tiago, o menor, e José, esposa de Alfeu, era irmã de Maria, mãe do Senhor, e que João liga a Cléofas; eram irmãs por parte de pai, por parte da família do clã ou por outra ligação qualquer. Maria Salomé é chamada simplesmente por Salomé por causa de seu marido ou de seu vilarejo. Alguns afirmam que ela é a mesma pessoa que Maria de Cléofas, já que teria se casado duas vezes.”
FACULDADE TEOLÓGICA CRISTÃ DO BRASIL – F.T.C.B.
Literatura Cristã Primitiva
Denes Izidro, Professor ©[1]
A CARTA DE POLICARPO AOS FILIPENSES[2]
Sobre Policarpo
· Sobre Policarpo de Esmirna estamos mais bem informados do que sobre Inácio, embora de sua produção literária – se as cartas Pastorais não forem de sua autoria – ficou preservada apenas uma breve carta à comunidade de Filipos (Vielhauer,2005).
· Os testemunhos mais antigos sobre Policarpo são InEf ,InPol e MartPolic, isto é, uma carta na qual a comunidade de Esmirna relata a comunidade de Filomelion e a outras comunidades sobre a prisão,processo e morte de Policarpo na fogueira. Em sua forma atual, o MartPolic é um texto retrabalhado, interpolado e com vários apêndices, contudo, remonta, em seu teor original, brilhantemente resgatado por H.Von Campenhausen, a testemunhas oculares e foi redigido logo após a morte de Policarpo. Uma terceira fonte para Policarpo é Irineu, o qual em sua juventude ainda conheceu o idoso Policarpo. A Eusébio devemos a maioria das informações sobre Irineu, o qual por sua vez informa sobre o Martírio de Policarpo em detalhes (cf.H.E.VI.XV.1-48).
· Conforme as fontes citadas, Policarpo foi bispo de Esmirna[3] ainda no tempo de Inácio de Antioquia e sofreu o martírio depois da primeira metade do século II d.C. Não obstante o MartPolic date seu martírio no ano 154 ou 155, a data mais confiável é fornecida por Eusébio de Cesaréia que menciona o sétimo ano de Marco Aurélio (H.E.IV.XV.1).[4] Nessa época, Policarpo estava com 86 anos de idade[5], de forma que deve ter nascido em torno de 80 d.C (Köester,2005).
· Os testemunhos da Igreja Antiga caracterizam-no unanimemente como representante proeminente da Igreja e combatente de heresias. Quando Inácio se deteve em Esmirna em sua viagem para a morte, Policarpo já era bispo dessa cidade, e Inácio o teve em alto apreço como aliado na causa da ortodoxia. Policarpo fora um ardoroso defensor da tradição cristã primitiva ortodoxa.
· Segundo Irineu, citado por Eusébio (H.E.V.XX.8), Policarpo escreveu “..cartas...às igrejas vizinhas...[e] a alguns irmãos..”.
Tradição
A transmissão da Carta é deficiente. Seu texto completo existe somente em uma tradução latina, da qual dispomos de uma boa dúzia de manuscritos. O texto grego consta em 8/9 manuscritos, os quais todos remontam a um mesmo original;todos contém o texto somente até 9.2 e daí continuam com Barn 5.7 em diante, até o final.
Eusébio (H.E.III.XXXVI.13-15) citou duas passagens (Polic9 e 13), de modo que se possui ao menos um fragmento grego da parte, o resto só em latim. A tradução latina se revela, nas passagens onde pode ser conferida no texto grego, como inexata e defeituosa.
Composição
· É provável que a carta que chegou até nós foi realmente composta com base em outras duas cartas endereçadas à igreja de Fílipos.
· A primeira, consistindo nos capítulos 13-14, foi uma carta explicativa para o envio de cópias das cartas de Inácio aos filipenses a pedido deles. Nesta, Policarpo se refere a Inácio como ainda estando vivo.[6]
· Em PolicFilip 9.1, porém, Policarpo se refere a Inácio e a dois de seus colaboradores como mártires bem-aventurados do passado, cujos exemplos devem ser relembrados.[7] Assim a carta a que essa observação pertence deve ter sido escrita muito mais tarde – PolicFilip 1-12 é, portanto, uma carta diferente, pertencente a uma época posterior.
· A ocasião imediata para a composição dessa segunda carta (1-12) foi um episódio de desvio de dinheiro por parte do presbítero Valente em Filipos, que Policarpo analisa no capítulo 11.[8]
Caráter Literário
· Os dois textos são verdadeiras cartas, redigidas por determinados motivos para determinadas situações. Embora preservado apenas na segunda carta (1-12), o Pré-escrito é epistolar;[9] a segunda carta não preservou o pré-escrito original, mas possui indícios circunstanciais de uma correspondência (XIII) e término epistolar (XIV). [10]
· A linguagem e a teologia da carta de Policarpo se assemelham muito às das pastorais. Advertências no estilo de uma organização eclesiástica desenvolvida a partir de listas mais antigas de deveres domésticos guardam estreita correspondência com as das Epístolas Pastorais (PolicFilip: Mulheres,viúvas, diáconos, jovens, presbíteros).[11]
· Policarpo não tem uma única idéia própria, e dificilmente lhe ocorre uma formulação sua. Escreve numa linguagem cristã edificante que consiste principalmente de citações da literatura cristã, ou também da tradição oral. Essa linguagem lhe é tão enraizada que sequer tem consciência do caráter de citação de muitas de suas frases.
· Ocasionalmente menciona o AT, que para ele é “Escritura Sagrada”. Com freqüência se encontram ditos do Senhor da tradição sinótica, todavia caracterizadas como tal apenas duas vezes (2.3;7.2)[12]; nessas duas passagens e em 12.3 fica evidente que Policarpo conhecia Mateus. Recorre com muita freqüência às cartas de Paulo, especialmente a Filipenses; as passagens que lembram as cartas pastorais, contudo, não demonstram uma dependência literária destas, e,sim, testificam uma tradição comum a ambos.
· Não obstante toda essa dependência de Policarpo de tradições extras, seu escrito não dá qualquer impressão de heterogeneidade – quanto ao estilo e conteúdo, sua carta se apresenta como uma unidade.
Importância de Policarpo
· Policarpo promoveu a coleção e preservação das cartas de Inácio (Vielhauer,2005).
· Policarpo proclamou a Paulo como autoridade da Igreja[13] numa época na qual o apóstolo era suspeito inclusive em círculos ortodoxos, e desse modo contribuiu para preservá-lo para a igreja (Vielhauer,2005).
· De fato, para Policarpo a única autoridade apostólica é Paulo, e a carta de Policarpo é uma demonstração de como um bispo podia exercer a sua função de dirigir e organizar os assuntos das igrejas cristãs segundo o espírito paulino; contudo, trata-se do espírito de Paulo como ele fora configurado pelas Epístolas Pastorais.
[1] Denes Izidro é Pastor evangélico e estudioso de Novo Testamento, desenvolvendo pesquisas na área de Bíblia e literatura cristã primitiva canônica e não-canônica. Além disso, é também professor de Língua, Literatura, Contexto e Teologia do NT, e outras disciplinas na área de Bíblia e seu contexto histórico-literário, na Faculdade Teológica Cristã do Brasil (DF).© todos os direitos autorais desta obra devem ser preservados.
[2]Vielhauer,Phillip.História da literatura cristã primtiva.Academia Cristã: São Paulo; Koester,Helmut.Introdução ao novo testamento – História e literatura do cristianismo primitivo.Paulus: São Paulo;VV.AA.Padres apostólicos.Paulus: São Paulo.
[3] Irineu IN: H.E.IV.XIV.3 : “E também Policarpo. Não somente instruído pelos Apóstolos e conviveu com muitos que haviam visto o Senhor, mas também foi instituído bispo da Ásia pelos apóstolos, na igreja de Esmirna.Nós inclusive o vimos em nossa idade juvenil.”; H.E.IV.XV.1 : “Neste tempo [sob Marco Aurélio] morreu mártir Policarpo, quando enormes perseguições estavam perturbando a Ásia.”.
[4] As informações de Eusébio sobre a morte de Policarpo levam ao ano de 167 ou ao espaço de tempo de 161-168/9. Contudo, em face da dificuldade de datação de seu martírio não se pode datar com exatidão nem a sua data de nascimento e nem a sua data de morte (Vielhauer,2005).
[5] Não obstante Köester, a afirmação histórica de Policarpo diante de seu juiz de que “servia há 86 anos” ao Senhor (MartPolic;H.E.IV.XV.20: “Mas quando o governador lhe pediu e disse: ‘Jura e te soltarei;maldiz a Cristo’,Policarpo disse: ‘Oitenta e seis anos venho servindo-o e nenhum mal me fez.Como posso blasfemar contra meu rei, que me salvou?’”) não pode ser indubitavelmente entendida como uma referência a sua vida toda ou ao período desde sua conversão (Vielhauer,2005).
[6] PolicFilip 13.2: “Vocês e Inácio escreveram-me, para que se alguém for [daqui] para a Síria, que levassem a carta de vocês; eu atenderei esta requisição se eu encontrar uma boa oportunidade, pessoalmente, ou através de uma outra pessoa, que vos sirva de mensageiro. Quanto às cartas de Inácio, as que ele nos enviou e as outras que pudermos ter aqui, nós volas enviaremos como pedistes. Vão anexas. Podereis retirar delas grande utilidade; pois encerram fé, paciência e toda espécie de edificação relativas a nosso Senhor. Qualquer outra informação que vocês conseguirem a respeito de Inácio e daqueles que estão com ele, tenham a gentileza de nos informar.”
[7] “Eu os exorto, portanto, a obedecerem atenciosamente à palavra da justiça, e a exercitarem a paciência, assim como vocês têm visto diante de seus olhos, não somente no caso dos abençoados Inácio, Zózimo e Rufo, mas também no caso dos outros que estão entre vocês, no próprio Paulo, e no restante dos apóstolos. [Façam isso] na certeza de que todos estes não caminharam em vão, mas na fé a na justiça, e na certeza de que eles estão [agora] no lugar que lhes corresponde na presença do Senhor, com quem eles também sofreram.”
[8] PolicFilip 11: “Eu estou muito triste por Valente, que foi presbítero entre vocês, pois ele não entendeu completamente o cargo que foi lhe dado [na Igreja]. Exorto-os, portento, que se abstenham da avareza, e que sejam castos e verdadeiros. "Abstenhamse
de todo tipo de mal". Pois se um homem não pode se governar nestes assuntos, como pode ensina-los aos outros? Se um homem não se mantém longe da avareza, ele se desonra pela idolatria, e deve ser julgado como um dos pagãos. Mas quem de nós está ignorando o julgamento do Senhor? "Não sabemos nós que os santos devem julgar o mundo?", como Paulo ensina. Mas eu nem vi nem ouvi nada semelhante entre vocês, no meio daqueles com quem Paulo trabalhou, e que estão louvados no início de sua epístola. Com efeito, ele se gloria de vocês diante de todas as Igrejas que sozinhas conheciam o Senhor; mas nós [de Esmirna] ainda não O conhecíamos. Eu estou profundamente entristecido, pois, irmãos, por ele (Valente) e por sua esposa; a quem o Senhor talvez conceda uma penitência verdadeira! E sejam vocês sóbrios em atenção e este assunto, e "não os olhe como inimigos", mas chame-os de volta como membros sofredores e perdidos, pois vocês devem salvar todo o corpo. Agindo assim vocês edificam-se a si mesmos.”
[9] “Policarpo e os presbíteros que estão junto dele, à Igreja de Deus que está em Filipos: Piedade a vocês, e paz do Todo-poderoso Deus, e do Senhor Jesus Cristo, nosso Salvador, sejam multiplicadas.”
[10] “Estas coisas eu tenho escrito a vocês através de Crescente, a quem recentemente lhes recomendei e agora lhes recomendo novamente. Ele tem crescido irrepreensível entre nós, e eu creio que será da mesma maneira entre vocês. Também vocês irão receber sua irmã, quando ela chegar entre vocês. Sejam salvos em nosso Senhor Jesus Cristo. Que a graça esteja com todos vocês. Amém.”
[11] PolicFilip 12.3: “Orem por todos os santos. Orem também pelos reis, e pelas autoridades, e príncipes, e por aqueles que vos perseguem e vos odeiam, e pelos inimigos da cruz, de modo que seu fruto seja manifestado a todos, e que vocês sejam perfeitos nEle.” Cf.ITm.2.1s; PolicFilip 4.1: “Mas o amor pelo dinheiro é a raiz de todo os males". Sabendo, portanto, que assim como nós não trouxemos nada ao mundo, nós não podemos levar nada dele", revistam-se com a arma da justiça; e aprendamos nós mesmos, antes de tudo, a caminhar nos mandamentos do Senhor.” cf. ITm.6.10ss.
[12] PolicFilip 2.3: “mas sendo misericordiosos por causa do que o Senhor disse em seus ensinamentos: "Não julguem para não serem julgados; perdoem e serão perdoados; sejam misericordiosos e alcançarão misericórdia; pois com o que medirem vocês serão medidos"; e uma vez mais: "Abençoados são os pobres, e aqueles que são perseguidos por causa da verdade, pois deles é o Reino de Deus".”
PolicFilip 7.2: “"para que não nos deixe cair em tentação", pois o Senhor disse: "O espírito está pronto, nas a carne é fraca".”
[13] PolicFilip 3: “Pois nem eu, nem ninguém como eu, pode chegar a sabedoria do abençoado e glorificado Paulo. Ele, estando entre vocês, comunicou com exatidão e força a palavra da verdade na presença daqueles que estão vivos ainda. E quando vos deixou, escreveu-lhes uma carta, que, se a estudarem com cuidado, encontrarão o sentido de terem sido erguidos na fé que lhes foi dada, e que, sendo seguida da esperança e precedida pelo amor para com Deus e Cristo, assim como para nosso próximo, "é a mãe de todos nós".”
Literatura Cristã Primitiva
Denes Izidro, Professor ©[1]
A CARTA DE POLICARPO AOS FILIPENSES[2]
Sobre Policarpo
· Sobre Policarpo de Esmirna estamos mais bem informados do que sobre Inácio, embora de sua produção literária – se as cartas Pastorais não forem de sua autoria – ficou preservada apenas uma breve carta à comunidade de Filipos (Vielhauer,2005).
· Os testemunhos mais antigos sobre Policarpo são InEf ,InPol e MartPolic, isto é, uma carta na qual a comunidade de Esmirna relata a comunidade de Filomelion e a outras comunidades sobre a prisão,processo e morte de Policarpo na fogueira. Em sua forma atual, o MartPolic é um texto retrabalhado, interpolado e com vários apêndices, contudo, remonta, em seu teor original, brilhantemente resgatado por H.Von Campenhausen, a testemunhas oculares e foi redigido logo após a morte de Policarpo. Uma terceira fonte para Policarpo é Irineu, o qual em sua juventude ainda conheceu o idoso Policarpo. A Eusébio devemos a maioria das informações sobre Irineu, o qual por sua vez informa sobre o Martírio de Policarpo em detalhes (cf.H.E.VI.XV.1-48).
· Conforme as fontes citadas, Policarpo foi bispo de Esmirna[3] ainda no tempo de Inácio de Antioquia e sofreu o martírio depois da primeira metade do século II d.C. Não obstante o MartPolic date seu martírio no ano 154 ou 155, a data mais confiável é fornecida por Eusébio de Cesaréia que menciona o sétimo ano de Marco Aurélio (H.E.IV.XV.1).[4] Nessa época, Policarpo estava com 86 anos de idade[5], de forma que deve ter nascido em torno de 80 d.C (Köester,2005).
· Os testemunhos da Igreja Antiga caracterizam-no unanimemente como representante proeminente da Igreja e combatente de heresias. Quando Inácio se deteve em Esmirna em sua viagem para a morte, Policarpo já era bispo dessa cidade, e Inácio o teve em alto apreço como aliado na causa da ortodoxia. Policarpo fora um ardoroso defensor da tradição cristã primitiva ortodoxa.
· Segundo Irineu, citado por Eusébio (H.E.V.XX.8), Policarpo escreveu “..cartas...às igrejas vizinhas...[e] a alguns irmãos..”.
Tradição
A transmissão da Carta é deficiente. Seu texto completo existe somente em uma tradução latina, da qual dispomos de uma boa dúzia de manuscritos. O texto grego consta em 8/9 manuscritos, os quais todos remontam a um mesmo original;todos contém o texto somente até 9.2 e daí continuam com Barn 5.7 em diante, até o final.
Eusébio (H.E.III.XXXVI.13-15) citou duas passagens (Polic9 e 13), de modo que se possui ao menos um fragmento grego da parte, o resto só em latim. A tradução latina se revela, nas passagens onde pode ser conferida no texto grego, como inexata e defeituosa.
Composição
· É provável que a carta que chegou até nós foi realmente composta com base em outras duas cartas endereçadas à igreja de Fílipos.
· A primeira, consistindo nos capítulos 13-14, foi uma carta explicativa para o envio de cópias das cartas de Inácio aos filipenses a pedido deles. Nesta, Policarpo se refere a Inácio como ainda estando vivo.[6]
· Em PolicFilip 9.1, porém, Policarpo se refere a Inácio e a dois de seus colaboradores como mártires bem-aventurados do passado, cujos exemplos devem ser relembrados.[7] Assim a carta a que essa observação pertence deve ter sido escrita muito mais tarde – PolicFilip 1-12 é, portanto, uma carta diferente, pertencente a uma época posterior.
· A ocasião imediata para a composição dessa segunda carta (1-12) foi um episódio de desvio de dinheiro por parte do presbítero Valente em Filipos, que Policarpo analisa no capítulo 11.[8]
Caráter Literário
· Os dois textos são verdadeiras cartas, redigidas por determinados motivos para determinadas situações. Embora preservado apenas na segunda carta (1-12), o Pré-escrito é epistolar;[9] a segunda carta não preservou o pré-escrito original, mas possui indícios circunstanciais de uma correspondência (XIII) e término epistolar (XIV). [10]
· A linguagem e a teologia da carta de Policarpo se assemelham muito às das pastorais. Advertências no estilo de uma organização eclesiástica desenvolvida a partir de listas mais antigas de deveres domésticos guardam estreita correspondência com as das Epístolas Pastorais (PolicFilip: Mulheres,viúvas, diáconos, jovens, presbíteros).[11]
· Policarpo não tem uma única idéia própria, e dificilmente lhe ocorre uma formulação sua. Escreve numa linguagem cristã edificante que consiste principalmente de citações da literatura cristã, ou também da tradição oral. Essa linguagem lhe é tão enraizada que sequer tem consciência do caráter de citação de muitas de suas frases.
· Ocasionalmente menciona o AT, que para ele é “Escritura Sagrada”. Com freqüência se encontram ditos do Senhor da tradição sinótica, todavia caracterizadas como tal apenas duas vezes (2.3;7.2)[12]; nessas duas passagens e em 12.3 fica evidente que Policarpo conhecia Mateus. Recorre com muita freqüência às cartas de Paulo, especialmente a Filipenses; as passagens que lembram as cartas pastorais, contudo, não demonstram uma dependência literária destas, e,sim, testificam uma tradição comum a ambos.
· Não obstante toda essa dependência de Policarpo de tradições extras, seu escrito não dá qualquer impressão de heterogeneidade – quanto ao estilo e conteúdo, sua carta se apresenta como uma unidade.
Importância de Policarpo
· Policarpo promoveu a coleção e preservação das cartas de Inácio (Vielhauer,2005).
· Policarpo proclamou a Paulo como autoridade da Igreja[13] numa época na qual o apóstolo era suspeito inclusive em círculos ortodoxos, e desse modo contribuiu para preservá-lo para a igreja (Vielhauer,2005).
· De fato, para Policarpo a única autoridade apostólica é Paulo, e a carta de Policarpo é uma demonstração de como um bispo podia exercer a sua função de dirigir e organizar os assuntos das igrejas cristãs segundo o espírito paulino; contudo, trata-se do espírito de Paulo como ele fora configurado pelas Epístolas Pastorais.
[1] Denes Izidro é Pastor evangélico e estudioso de Novo Testamento, desenvolvendo pesquisas na área de Bíblia e literatura cristã primitiva canônica e não-canônica. Além disso, é também professor de Língua, Literatura, Contexto e Teologia do NT, e outras disciplinas na área de Bíblia e seu contexto histórico-literário, na Faculdade Teológica Cristã do Brasil (DF).© todos os direitos autorais desta obra devem ser preservados.
[2]Vielhauer,Phillip.História da literatura cristã primtiva.Academia Cristã: São Paulo; Koester,Helmut.Introdução ao novo testamento – História e literatura do cristianismo primitivo.Paulus: São Paulo;VV.AA.Padres apostólicos.Paulus: São Paulo.
[3] Irineu IN: H.E.IV.XIV.3 : “E também Policarpo. Não somente instruído pelos Apóstolos e conviveu com muitos que haviam visto o Senhor, mas também foi instituído bispo da Ásia pelos apóstolos, na igreja de Esmirna.Nós inclusive o vimos em nossa idade juvenil.”; H.E.IV.XV.1 : “Neste tempo [sob Marco Aurélio] morreu mártir Policarpo, quando enormes perseguições estavam perturbando a Ásia.”.
[4] As informações de Eusébio sobre a morte de Policarpo levam ao ano de 167 ou ao espaço de tempo de 161-168/9. Contudo, em face da dificuldade de datação de seu martírio não se pode datar com exatidão nem a sua data de nascimento e nem a sua data de morte (Vielhauer,2005).
[5] Não obstante Köester, a afirmação histórica de Policarpo diante de seu juiz de que “servia há 86 anos” ao Senhor (MartPolic;H.E.IV.XV.20: “Mas quando o governador lhe pediu e disse: ‘Jura e te soltarei;maldiz a Cristo’,Policarpo disse: ‘Oitenta e seis anos venho servindo-o e nenhum mal me fez.Como posso blasfemar contra meu rei, que me salvou?’”) não pode ser indubitavelmente entendida como uma referência a sua vida toda ou ao período desde sua conversão (Vielhauer,2005).
[6] PolicFilip 13.2: “Vocês e Inácio escreveram-me, para que se alguém for [daqui] para a Síria, que levassem a carta de vocês; eu atenderei esta requisição se eu encontrar uma boa oportunidade, pessoalmente, ou através de uma outra pessoa, que vos sirva de mensageiro. Quanto às cartas de Inácio, as que ele nos enviou e as outras que pudermos ter aqui, nós volas enviaremos como pedistes. Vão anexas. Podereis retirar delas grande utilidade; pois encerram fé, paciência e toda espécie de edificação relativas a nosso Senhor. Qualquer outra informação que vocês conseguirem a respeito de Inácio e daqueles que estão com ele, tenham a gentileza de nos informar.”
[7] “Eu os exorto, portanto, a obedecerem atenciosamente à palavra da justiça, e a exercitarem a paciência, assim como vocês têm visto diante de seus olhos, não somente no caso dos abençoados Inácio, Zózimo e Rufo, mas também no caso dos outros que estão entre vocês, no próprio Paulo, e no restante dos apóstolos. [Façam isso] na certeza de que todos estes não caminharam em vão, mas na fé a na justiça, e na certeza de que eles estão [agora] no lugar que lhes corresponde na presença do Senhor, com quem eles também sofreram.”
[8] PolicFilip 11: “Eu estou muito triste por Valente, que foi presbítero entre vocês, pois ele não entendeu completamente o cargo que foi lhe dado [na Igreja]. Exorto-os, portento, que se abstenham da avareza, e que sejam castos e verdadeiros. "Abstenhamse
de todo tipo de mal". Pois se um homem não pode se governar nestes assuntos, como pode ensina-los aos outros? Se um homem não se mantém longe da avareza, ele se desonra pela idolatria, e deve ser julgado como um dos pagãos. Mas quem de nós está ignorando o julgamento do Senhor? "Não sabemos nós que os santos devem julgar o mundo?", como Paulo ensina. Mas eu nem vi nem ouvi nada semelhante entre vocês, no meio daqueles com quem Paulo trabalhou, e que estão louvados no início de sua epístola. Com efeito, ele se gloria de vocês diante de todas as Igrejas que sozinhas conheciam o Senhor; mas nós [de Esmirna] ainda não O conhecíamos. Eu estou profundamente entristecido, pois, irmãos, por ele (Valente) e por sua esposa; a quem o Senhor talvez conceda uma penitência verdadeira! E sejam vocês sóbrios em atenção e este assunto, e "não os olhe como inimigos", mas chame-os de volta como membros sofredores e perdidos, pois vocês devem salvar todo o corpo. Agindo assim vocês edificam-se a si mesmos.”
[9] “Policarpo e os presbíteros que estão junto dele, à Igreja de Deus que está em Filipos: Piedade a vocês, e paz do Todo-poderoso Deus, e do Senhor Jesus Cristo, nosso Salvador, sejam multiplicadas.”
[10] “Estas coisas eu tenho escrito a vocês através de Crescente, a quem recentemente lhes recomendei e agora lhes recomendo novamente. Ele tem crescido irrepreensível entre nós, e eu creio que será da mesma maneira entre vocês. Também vocês irão receber sua irmã, quando ela chegar entre vocês. Sejam salvos em nosso Senhor Jesus Cristo. Que a graça esteja com todos vocês. Amém.”
[11] PolicFilip 12.3: “Orem por todos os santos. Orem também pelos reis, e pelas autoridades, e príncipes, e por aqueles que vos perseguem e vos odeiam, e pelos inimigos da cruz, de modo que seu fruto seja manifestado a todos, e que vocês sejam perfeitos nEle.” Cf.ITm.2.1s; PolicFilip 4.1: “Mas o amor pelo dinheiro é a raiz de todo os males". Sabendo, portanto, que assim como nós não trouxemos nada ao mundo, nós não podemos levar nada dele", revistam-se com a arma da justiça; e aprendamos nós mesmos, antes de tudo, a caminhar nos mandamentos do Senhor.” cf. ITm.6.10ss.
[12] PolicFilip 2.3: “mas sendo misericordiosos por causa do que o Senhor disse em seus ensinamentos: "Não julguem para não serem julgados; perdoem e serão perdoados; sejam misericordiosos e alcançarão misericórdia; pois com o que medirem vocês serão medidos"; e uma vez mais: "Abençoados são os pobres, e aqueles que são perseguidos por causa da verdade, pois deles é o Reino de Deus".”
PolicFilip 7.2: “"para que não nos deixe cair em tentação", pois o Senhor disse: "O espírito está pronto, nas a carne é fraca".”
[13] PolicFilip 3: “Pois nem eu, nem ninguém como eu, pode chegar a sabedoria do abençoado e glorificado Paulo. Ele, estando entre vocês, comunicou com exatidão e força a palavra da verdade na presença daqueles que estão vivos ainda. E quando vos deixou, escreveu-lhes uma carta, que, se a estudarem com cuidado, encontrarão o sentido de terem sido erguidos na fé que lhes foi dada, e que, sendo seguida da esperança e precedida pelo amor para com Deus e Cristo, assim como para nosso próximo, "é a mãe de todos nós".”
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